Maduro reivindica triunfo enquanto o mundo lhe vira as costas

Presidente celebrou vitória “contra o imperialismo” numa eleição marcada pela abstenção elevada e por centenas de denúncias de fraude. Condenação internacional quase unânime deixa o chavismo mais isolado do que nunca.

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Oposição venezuelana recusou-se a participar na "fraude eleitoral" e recebeu o apoio da comunidade internacional GUADALUPE PARDO / Reuters

Nicolás Maduro foi reconduzido ao cargo de Presidente da República Bolivariana da Venezuela, naquela que terá sido uma das corridas eleitorais mais fáceis que disputou. Com a Mesa da Unidade Democrática (MUD) a apelar à abstenção, e tendo como oponentes candidatos com passado nas fileiras chavistas, o homem que em 2013 esteve perto de uma derrota histórica contra Henrique Capriles – ficaram separados por apenas 1,5% dos votos – venceu confortavelmente as presidenciais deste domingo, com cerca de 68% dos apoios. Um triunfo “contra o imperialismo” efusivamente celebrado pelo oficialismo, mas que mereceu uma ampla reprovação da comunidade internacional.

“Subestimaram tanto o povo revolucionário! Subestimaram-me tanto a mim! E no entanto aqui nos encontramos de novo, vitoriosos”, celebrou o sucessor de Hugo Chávez no Palácio de Miraflores, em Caracas, poucos depois de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ter revelado que a sua candidatura recebeu 5,8 milhões de votos – contra 1,8 milhões do “opositor rebelde” Henri Falcón e 950 mil do pastor evangélico Javier Bertucci.

Estados Unidos, União Europeia, Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia e México, foram alguns dos que cumpriram à risca o que já tinham prometido há semanas e não reconheceram nem a legitimidade das eleições, nem o seu desfecho. E que ameaçam com novas sanções. Os 14 membros do “Grupo de Lima” – composto por países do continente americano e criado no ano passado para debater soluções para a crise venezuelana – chamaram para consultas os seus embaixadores na Venezuela e anunciaram a redução “do nível das relações diplomáticas” com Caracas.

Nada que pareça, no entanto, preocupar demasiado Maduro, que espera aproveitar o distanciamento dos europeus e dos seus vizinhos – à excepção da Bolívia, Cuba e El Salvador, os amigos de sempre –  para abrir ainda mais as portas a Pequim, Moscovo ou Teerão. “[A Venezuela] é um corpo estranho na América Latina. Isso pode permitir a entrada da Rússia e da China no país, quer através de acordos de cooperação militar, quer com incursões no sector petrolífero”, explica ao diário colombiano El Espectador o professor de Relações Internacionais da Universidade dos Andes, Víctor M. Mijares.

A postura da organização europeia e dos Estados mencionados baseou-se tanto na lista de irregularidades pré-eleitorais por eles identificadas – que incluía a ilegalização de diversos partidos da MUD, a interdição das candidaturas dos elementos mais carismáticos da oposição e a intimidação aos eleitores através da retenção de subsídios sociais em caso de não participação na eleição – como nas centenas de denúncias de fraude ocorridas durante a votação de domingo, testemunhadas e reveladas por eleitores, jornalistas e membros da oposição a Maduro.

Entre elas destacaram-se a “compra de votos”, com caixas de comida e promessas de transferências bancárias, e a instalação de mais de 13 mil “pontos vermelhos” – bancas do esclarecimento e de propaganda do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) – nas imediações das mesas eleitorais.

Ainda que as denúncias de fraude eleitoral e de favorecimento do CNE ao poder vigente pareçam ser insuficientes para beliscar a autoridade do regime chavista, nem tudo são rosas para Maduro. O presidente recebeu menos 1,5 milhões de votos que em 2013, vendo a participação eleitoral cair para números mínimos: 46% segundo os números oficiais do CNE, 32% de acordo com o testemunho de um elemento da autoridade eleitoral à Reuters. Percentagens que para além de demonstrarem que os apelos da MUD convenceram uma enorme fatia do eleitorado, são relevantes num país habituado a participações próximas dos 80%.

Se a isto se somarem os problemas gravíssimos que assolam o país – colapso económico e inflação galopante; acesso limitado da população a comida, água potável e medicamentos; crime desenfreado nas ruas; protestos quase diários; e êxodo frenético de venezuelanos para outras paragens –, aos quais o oficialismo ainda não conseguiu dar solução, é difícil prever que a controversa vitória de Maduro possa trazer à Venezuela a “etapa de estabilidade” por ele prometida.

“Imploro aos venezuelanos que não fiquem desmoralizados, Maduro está hoje mais fraco do que nunca. A fraude foi exposta e o mundo vai rejeitá-la”, disse Julio Borges, do partido opositor Primeiro Justiça, no Twitter.

Para já a única certeza é a de que o percursor da Revolução Bolivariana impelida por Chávez na Venezuela não deve ficar por aqui na sua missão de moldar a estrutura institucional do país às necessidades do regime. O líder do Governo venezuelano e a Assembleia Constituinte esperam apresentar brevemente a sua proposta para uma Constituição “plenamente socialista”, que reforce os poderes do Presidente e do Estado e que abra caminho para a eleição de um novo Parlamento – actualmente dominado pela MUD –, com uma percentagem de lugares destinados à classe operária e aos membros dos movimentos sociais próximos do chavismo.

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