Terror em Alcochete ameaça Taça e abre a porta a rescisões

A crise no Sporting levou a crispação no futebol português a um novo e inédito patamar. O insólito de vários episódios tem espantado os adeptos. O último deixou vários jogadores feridos.

A Academia de Alcochete foi o palco de mais um acto de violência no futebol português
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A Academia de Alcochete foi o palco de mais um acto de violência no futebol português LUSA/MÁRIO CRUZ
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Os secretários de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo, LUSA/ANTÓNIO COTRIM
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Jorge Jesus à saída da Academia do Sporting LUSA/MÁRIO CRUZ
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Em Alvalade, à noite, juntaram-se centenas de adeptos em solidariedade com os jogadores LUSA/ANDRÉ KOSTERS

Depois da guerra de palavras, a crise do Sporting descambou para a violência física. Um grupo de dezenas de adeptos com os rostos cobertos – alguns com símbolos das claques “leoninas” visíveis – irrompeu esta terça-feira à tarde pela Academia de Alcochete, sem qualquer oposição, atacando jogadores e equipa técnica e vandalizando o balneário, antes de abandonar as instalações desportivas.

A GNR foi chamada ao local e conseguiu identificar 40 dos atacantes (detendo 21) e a Procuradoria-Geral da República já iniciou uma investigação ao incidente.

Alguns futebolistas foram agredidos, nomeadamente Bas Dost, que sofreu um golpe na cabeça, que o deverá impedir de alinhar no final da Taça de Portugal. Mas alguns do plantel “leonino” estava nesta terça-feira a ponderar não jogar no Jamor no domingo, por motivos de segurança, estudando paralelamente uma eventual rescisão dos seus contratos, alegando justa causa.

A equipa técnica foi igualmente visada pelos agressores (assim como alguns funcionários que trabalham na Academia), com o adjunto Mário Monteiro a sofrer também ferimentos (provavelmente provocados por uma tocha). O próprio Jorge Jesus foi vítima de uma tentativa de agressão, ao que o PÚBLICO conseguiu apurar.

Num curto comunicado, a direcção do Sporting lamentou e repudiou “de forma veemente” os actos de violência, garantindo que serão tomadas “todas as diligências” para apurar responsabilidades: “Não podemos de forma alguma pactuar com actos de vandalismo e agressão a atletas, treinadores e staff do futebol profissional.”

Bruno de Carvalho deslocou-se à Academia ao final da tarde para acompanhar a situação, mas alguns dos jogadores recusaram-se a falar com o presidente sportinguista. Ao final da tarde, alguns futebolistas foram abandonando as instalações de Alcochete nos seus carros, escoltados pela polícia.

Mais tarde, Bruno de Carvalho voltou a lamentar o sucedido, garantindo que a equipa estará presente no Estádio Nacional para disputar a final da Taça. “Muita gente não queria mas claro que vamos estar no Jamor. Os jogadores estão tristes com o que aconteceu mas querem jogar”, avançou, declinando qualquer responsabilidade pelos incidentes. “Isto não é um caso desportivo, é um caso de justiça. É mais um dia triste no futebol português. Felizmente a polícia actuou rapidamente e bem.”

Paralelamente, Marta Soares, presidente da Assembleia-Geral, anunciava que vai convocar na próxima segunda-feira todos os órgãos sociais do clube para uma reunião onde será analisada a crise sportinguista.

A festa do futebol

Horas antes, também o Governo reagira à “invasão” da Academia, repudiando os actos de violência. “Estamos a poucos dias da final da Taça de Portugal e o Governo está, juntamente com a Federação Portuguesa de Futebol, a criar todas as condições para que se viva a festa do futebol, do desporto, o convívio das famílias e dos verdadeiros adeptos do futebol e do desporto”, sublinhou o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Ribeiro.

Ao seu lado, a secretária de Estado Adjunta da Administração Interna, Isabel Oneto, sintetizou o trabalho das forças de segurança enviadas para a Academia e para as suas imediações. “Houve a apreensão de viaturas e objectos de agressão, juntámos forças de segurança para tomarem conta da ocorrência e darem a resposta adequada. Continuamos a trabalhar no sentido de esclarecer esta situação e que não voltem a acontecer” casos destes.

À noite, alguns milhares de adeptos manifestaram a sua frustração juntando-se em Alvalade para condenar a violência e apoiar a equipa.

O clima de crispação no futebol português não é exactamente uma novidade, nem os casos pontuais de violência, mas a recente crise sportinguista atingiu um novo e inédito patamar. Tudo começou após a derrota em Madrid, frente ao Atlético, na primeira mão dos quartos-de-final da Liga Europa, a 5 de Abril, quando Bruno de Carvalho criticou publicamente os seus jogadores, através da rede social Facebook, apontando o dedo à prestação individual de alguns atletas.

Em reacção, o plantel reagiu praticamente em bloco (salvo excepções pontuais), acusando o presidente de falta de solidariedade quando a equipa mais necessitava. Uma posição tomada através do Instagram que levou o líder “leonino” a ameaçar com uma suspensão colectiva a todos os que partilharam a publicação, acabando por recuar mais tarde.

Seguiu-se um período de tréguas, enquanto a equipa somava seis triunfos consecutivos, ficando a depender de si própria para alcançar o segundo lugar do campeonato e a hipótese de poder alcançar os milhões da Liga dos Campeões na próxima temporada. Um objectivo que fracassou na última jornada, com o desaire na Madeira, frente ao Marítimo, entregando o vice-campeonato ao rival Benfica.

Mais uma vez Bruno de Carvalho reagiu a quente à frustração, convocando jogadores e equipa técnica para reuniões de emergência na segunda-feira. Aqui terá ficado selado o destino de Jorge Jesus, apesar do presidente ter garantido que o treinador não está suspenso, contrariando as notícias divulgadas pela comunicação social.

Os adeptos assistiram a tudo sem esconder espanto pelo insólito da situação. Numa primeira fase, logo após a dura troca de palavras, no rescaldo da partida de Madrid, colocaram-se ao lado da equipa. Aconteceu três dias depois, quando apuparam Bruno de Carvalho enquanto este assistia no banco de Alvalade à vitória frente ao Paços de Ferreira (2-0). O dirigente foi à sala de imprensa criticar os insatisfeitos, provocando a indignação de muitos notáveis, que pediram a sua demissão imediata.

Uma paz curta

Seguiu-se um novo período de acalmia, que coincidiu com uma rara fase de maior recato do presidente, a pedido de alguns dos seus principais apoiantes. Abandonou o Facebook e remeteu-se ao silêncio. Regressou ao banco para festejar o triunfo frente ao FC Porto que colocou o Sporting na final da Taça. As expectativas de paz duraram pouco.

A derrota na Madeira, no último domingo, também virou o foco da fúria dos adeptos, que passaram a ter como alvo os jogadores e o treinador. A tensão começou a sentir-se logo após o apito final da partida com o Marítimo e estendeu-se à chegada da comitiva a Alvalade. Bruno de Carvalho não viajou com o grupo e foi poupado.

Um dia depois (segunda-feira) convocou atletas e treinadores a Alvalade, com quem manteve reuniões tensas. No final, admitiu publicamente que o desaire teve consequências muito nefastas para as contas do clube: “Fez-nos perder bastantes milhões que já estavam contabilizados para a próxima época.”

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