Um momento histórico para a justiça desportiva
A mais recente polémica que envolveu a provável ilegalidade de uma sanção disciplinar de um dirigente desportivo de um clube de futebol demonstrou uma das maiores fragilidades da nossa justiça desportiva e, em particular, uma das maiores fraquezas do Tribunal do Arbitral do Desporto (TAD).
Conforme tive oportunidade de demonstrar em diversas ocasiões, existem certos casos em que havendo uma punição de agentes desportivos (por exemplo, atletas, dirigentes, etc), os efeitos desta última produzem-se inevitavelmente ainda antes de ser possível obter uma tutela judicial atempada junto do TAD.
Ora, esta foi precisamente uma das razões que justificaram um ataque feroz – pelos defensores do sistema de arbitragem necessária – ao sistema centrado exclusivamente na resolução de conflitos desportivos na jurisdição administrativa. Curiosamente, é a justiça administrativa que demonstra, com toda uma celeridade que deveria ser intrínseca ao TAD, que não é compaginável a inexistência de um efeito suspensivo das decisões disciplinares quando esteja em causa a impugnação de decisões disciplinares de um órgão puramente administrativo como é o Conselho de Disciplina de qualquer federação.
Na semana passada fez-se história porque, com muita ousadia, foram testados os limites do regime jurídico do TAD, permitindo abrir um caminho a uma interpretação que desse lugar à existência de uma tutela adequada e atempada – neste caso pelos tribunais estaduais – quando a parte lesada entende que existiu a aplicação de um acto administrativo ilegal.
A resposta para o problema da falta de celeridade está no artigo 41.º, n.º 7, da Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, na redacção da Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho (LTAD), no qual se define, em termos muito sumários, que cabe, no que toca à arbitragem necessária, ao presidente do Tribunal Central Administrativo Sul decidir sobre a viabilidade jurídica dos pedidos de medidas cautelares, caso o processo ainda não tenha sido distribuído ou o tribunal arbitral ainda não estiver constituído.
Significa, portanto, que quando, em determinadas situações, as normas do regime jurídico que rege o TAD não permitem que as partes possam obter, em tempo razoável, a tutela cautelar junto do TAD, estas podem obter essa tutela junto dos tribunais administrativos. É a única forma de assegurar, a este respeito, a constitucionalidade do regime jurídico do TAD, conforme sempre defendi (designadamente no texto que escrevi com Daniela Mirante, O Regime Jurídico do Tribunal Arbitral do Desporto, 2016, p. 91).
Na verdade, por muito célere que a arbitragem possa ser em determinadas áreas, no domínio do Direito Administrativo Desporto e estando em causa direitos fundamentais, nomeadamente, por aplicação do direito sancionatório, o regime jurídico do TAD não foi pensado, nem apresenta o rigor jurídico para fazer face aos problemas reais que se colocam à realidade desportiva portuguesa. Basta olharmos para as melhores práticas da arbitragem internacional (com reflexos até na arbitragem nacional) para vermos que existem vários modelos, pense-se até mais imediatamente na fast track arbitration do Tribunal Arbitral du Sport onde existe uma decisão menos de 24 horas, que podem auxiliar na reforma legal que parece ser mais do que certa e inequivocamente necessária.
Este é, assim, um regime jurídico com falhas evidentes, pense-se, por exemplo, em todas as polémicas respeitantes à independência ou imparcialidade de determinados árbitros, a falta de publicidade das sentenças arbitrais ou mesmo as custas que são, a meu ver, claramente inconstitucionais.
Recentemente, uma questão em tudo idêntica à pretensão que teve sucesso junto do Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul foi rejeitada pelo TAD. No caso Pedro Gil (processo n.º 31-A/2018) ainda que o TAD reconhecesse a ilegalidade da sanção disciplinar, decidiu que a impossibilidade de um atleta de exercer a sua profissão não era um dano suficiente grave para fundamentar o deferimento de uma providência cautelar.
A finalizar, é curioso mencionar que o próprio Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol parece, segundo foi noticiado, inverter o seu entendimento quanto à admissibilidade de efeito suspensivo quando exista recurso para o pleno do Conselho de Disciplina, seguindo agora o entendimento que defendo (v. A Resolução de Conflitos Desportivos: entre o Direito Público e o Direito Privado, 2017, pp. 297 e 465 e ss.), mas que não foi seguido em momentos anteriores. É de saudar que o tenha feito agora, esperando que o faça também no futuro.
Em suma, a realidade demonstrou que a falta de litigância do Desporto – historicamente muito desejada pelas federações desportivas – foi uma fonte de ilegalidades e de uma situação de sentimento de colocação do associativismo desportivo numa zona de extra-juridicidade. Trata-se de um tempo que acabou. É hora de os agentes desportivos fazerem valer os seus direitos fundamentais.