Confrontado em público por alegada vítima de assédio, escritor Junot Díaz abandona festival e o país
Autor premiado é acusado pela escritora Zinzi Clemmons, que o abordou no festival literário de Sydney. Outras autoras denunciaram depois casos de “má conduta” de Díaz, duas semanas após este ter contado a sua própria história de violação, aos oito anos.
O escritor Junot Díaz foi sexta-feira acusado de assédio sexual durante uma conferência em Sydney, na Austrália, em público e pela sua alegada vítima – horas depois, a escritora e professora Zinzi Clemmons repetiu as queixas no Twitter e outras mulheres denunciaram alegados comportamentos agressivos do autor, vencedor de um Pulitzer e uma das principais vozes da literatura americana com raízes na imigração da actualidade. Este sábado, Junot Díaz abandonou o festival literário e terá também deixado o país.
É, como classifica o New York Times, “um grande escândalo no mundo literário”. Os seus contornos diferem de outros casos de denúncias de abuso ou assédio sexual dos últimos meses sobretudo pelo facto de Zinzi Clemmons ter feito a acusação frente a frente com o seu alegado abusador, mas também no mesmo dia em que a Academia Sueca anunciou que não vai atribuir o Prémio Nobel da Literatura em 2018 por se sentir “diminuída” na sequência de um caso de assédio.
Junot Díaz, autor de A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao (editado em Portugal pela Porto Editora), é acusado por Clemmons de ter publicado há dias um ensaio em que diz ter sido violado na infância como forma de esvaziar estas acusações. Foi, aliás, esse ensaio que a fez perguntar por que é que não aproveitou para admitir o seu comportamento, segundo relataram ao New York Times e ao Guardian pessoas que estava na assistência. A 16 de Abril, Díaz publicou o ensaio The silence: the legacy of childhood trauma na revista New Yorker, a mesma de várias investigações sobre Harvey Weinstein, por exemplo. Nele, Junot Díaz diz ter sido violado aos oito anos por um adulto em quem confiava. O texto surge na antecâmara do actual “escândalo” e contém algumas justificações quanto às sequelas que diz ter sofrido – “raiva incontrolável”, instabilidade nas relações com mulheres na idade adulta.
Na sexta-feira, durante o painel do Sydney Writer’s Festival, Díaz respondia a perguntas da audiência. Clemmons, que não se identificou, questionou-o sobre o ensaio e sobre por que a tinha tratado “daquela forma” há seis anos, quando ela era estudante na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Segundo membros da plateia ouvidos pelo site Buzzfeed, a resposta de Díaz centrou-se no seu ensaio e foi aplaudida. Mas horas mais tarde, no Twitter, Zinzi Clemmons, hoje professora de Escrita na Universidade Ocidental de Los Angeles, detalhava os alegados actos e recebia apoio.
“Quando era estudante, convidei Junot Díaz para falar num workshop sobre as questões de representação na literatura. Era uma desconhecida e uma inocente de 26 anos e ele usou isso como uma oportunidade para me encurralar e me beijar à força. Estou longe de ser a única a quem ele fez isto, recuso-me a permanecer silenciosa por mais tempo”, escreveu, num tweet que já teve mais de 18 mil “gostos” e foi replicado mais de 5000 vezes. Diz ter emails que trocou com o autor depois do alegado acto e ter contado na altura a história a várias pessoas, que assim poderiam corroborá-la.
Ao New York Times, a escritora de What We Lose (2017) disse que o comportamento de Díaz tem sido uma “carga para as jovens mulheres – especialmente mulheres não-brancas” e que lhe tem sido permitido continuar graças à sua equipa e às instituições que lhe dão trabalho.
Junot Díaz, na sequência das denúncias na rede social, disse em comunicado enviado através da sua agente: “Assumo a responsabilidade pelo meu passado. É por isso que decidi contar a verdade sobre a minha violação e as suas consequências danosas. Esta conversa é importante e tem de continuar. Estou a ouvir e a aprender com as histórias das mulheres neste movimento cultural essencial e há muito devido. Temos de continuar a ensinar todos os homens sobre o que é o consentimento e os limites”. O autor dominicano-americano, também ele professor e premiado com o Pulitzer em 2008, cancelou o resto das suas presenças no festival literário onde o caso veio a público e a sua curta digressão australiana em curso. O festival, sem tomar posição sobre as acusações mas mencionando-as, lembrou que, "como está a acontecer com tantas pessoas em posições de poder, o momento de prestar contas com as consequências de comportamentos passados chegou".
Horas depois das acusações de Clemmons, a escritora Monica Byrne escreveu no Facebook que em 2014 foi alvo de “ataque sexual verbal” da parte de Díaz, um acto de “misoginia virulenta”. A escritora Carmen Maria Machado usou o Twitter, na mesma sexta-feira, para contar a partir do mesmo festival como quando era estudante foi alvo da ira de Díaz quando debatiam a forma como uma das personagens do autor se relacionava com as mulheres. “Ele gritou comigo durante 20 minutos”, escreveu, acrescentando saber que “ele trata as mulheres de forma horrenda de todas as maneiras possíveis”. E acrescentou: “Nos anos subsequentes, ouvi o que serão facilmente mais de uma dezena de histórias sobre má conduta sexual da parte dele”. A mesma autora partilhou uma mensagem da jornalista Aura Bogado que relata que uma fonte lhe tinha dito há meses que “conhecia um homem que atacava mulheres há 20 anos”, alguém conhecido, e que havia “muitas histórias. E emails. E gravações. Há uma hora, elam mandou-me um nome: Junot Díaz”.
Monica Byrne, ao site The Cut da revista New York, voltou a argumentar que o ensaio sobre a violação de Díaz foi uma forma “de ele se adiantar” às acusações de que “sabia” que seria alvo. Várias autoras norte-americanas demonstraram o seu apoio a Zinzi Clemmons via Twitter, e um editor da revista Men’s Health, EJ Dickson, escreveu na mesma rede social que “toda a gente no mundo literário/dos media sabia disto, ou suspeitava”.
Algumas pequenas livrarias norte-americanas disseram que não iriam continuar a vender os livros de Díaz e nem a sua editora, a Riverhead, nem a New Yorker, que publicou o ensaio de Abril, reagiram ainda ao caso.