Macron com Trump: muita História e poucos progressos
Muita coisa ficou ainda por esclarecer na conferência de imprensa dos dois Presidentes, incluindo sobre o Irão. Trump não poupou elogios ao seu homólogo, lembrando que a França é o mais velho aliado dos EUA. Na quarta-feira, Macron fala ao Congresso americano.
Falou-se muito de História na conferência de imprensa de Donald Trump e Emmanuel Macron, ao princípio da tarde desta terça-feira em Washington. Os gestos também foram de grande cordialidade. Sobre as matérias mais prementes, a primeira das quais o Irão, não foi fácil distinguir aquilo que pode ser novo, depois de ambos terem conversado durante toda a manhã. Donald Trump não disse se ia ou não “rasgar” o acordo nuclear de 2105, que continua a considerar “o pior acordo de sempre.” Pelo contrário, o que disse foi que, no dia 12 de Maio, quando tiver de decidir o seu prolongamento, “logo se verá”. Não se comprometeu, mas disse que o seu homólogo francês percebia o que estava a dizer.
A fórmula encontrada por Emmanuel Macron para comunicar o que ambos decidiram, também não foi particularmente clara. Disse que era preciso negociar “um novo acordo com o Irão”, envolvendo mais dimensões do que o simples controlo nuclear e tendo em conta a estabilidade regional a longo prazo. Esse “novo acordo”, acrescentou, pode levar em consideração algumas garantias que o seu homólogo americano pretende. “É possível incluir as preocupações e as críticas [de Trump] sobre o acordo com o Irão”. Acrescentou que o acordo actual será apenas um dos quatro pilares desse novo entendimento, destinado a conter a influência do Irão no Médio Oriente.
Que novo acordo? Em que termos e com que parceiros? A resposta ainda não é clara. Macron falhou na sua tentativa de convencer Trump a não “rasgar” o acordo? Disse apenas que a discussão com Trump lhe permite acreditar que uma solução vai ser possível. Não era de esperar uma “rendição” total de Trump numa matéria em que praticamente não mudou de posição, desde que foi eleito. Macron apresentou a questão iraniana indissoluvelmente ligada à questão da Síria. Era seu propósito também convencer o seu homólogo americano a manter forças no terreno, para não criar um vazio que alguém ocuparia (o Irão, nomeadamente). Trump não disse sim nem não, mesmo sublinhando que “adoraria trazer as tropas de volta”. Mas voltou a insistir em que os países “muito ricos” da região, que contam com os EUA, têm de começar a pagar a conta e a contribuir com “tropas no terreno”. Os EUA já pagaram “demais” pela sua segurança.
O Irão e a Coreia
Há um paralelismo entre o Irão e a Coreia do Norte, que alguns analistas americanos recordaram. Se Trump mudou radicalmente de posição quanto à Coreia do Norte, quando, há seis meses, lhe prometia “fogo e fúria”, o mesmo pode eventualmente acontecer em relação ao Irão. Respondendo às ameaças de Teerão, regressou à sua fórmula preferida, mas não eterna: “Se o Irão nos ameaçar de qualquer forma que seja, pagará um preço que muito poucos países alguma vez pagaram.” Em contrapartida, elogiou a forma “aberta e decente” como Kim Jong Un está a lidar com os EUA na expectativa da cimeira entre ambos. Disse que um caminho de negociação não implicava a “redução da pressão sobre o regime”. Elogiou a cooperação chinesa. Mas também deixou claro o seu entendimento sobre a “desnuclearização”: “Acabar com as armas nucleares de Pyongyang”. É este o entendimento de Kim? Há sérias dúvidas.
Finalmente o comércio, a outra missão fundamental de Macron. O Presidente francês disse que a França se mantém fiel às regras da Organização Mundial do Comércio, por uma razão simples: os dois países estiveram na origem da sua constituição, há mais 20 anos. Trump respondeu que as trocas comerciais com a França estavam equilibradas, não havendo entre os dois países qualquer conflito. Mas não deixou de lembrar que havia um problema: a sua relação com a França neste domínio tinha de passar pela União Europeia.
Há também uma data a cumprir: a Europa tem até ao dia 1 de Maio para resolver a sua relação com os EUA no que respeita ás novas tarifas sobre o aço e o alumínio. As sanções aplicadas pelos EUA à Rússia atingiram a produção de alumínio russo que a Europa importa. Alguns sectores industriais europeus, queixam-se que o preço já subiu cerca de 30 por cento. Fontes diplomáticas francesas, citadas pela Reuters, explicam que “há alguma preocupação, criada pelos efeitos extraterritoriais de novos pacotes de sanções”. Como vai ser? Entretanto, numa nota de optimismo, Trump anunciou que um “novo acordo” com Pequim não estava fora de alcance.
A mais velha aliança
Os historiadores costumam explicar a rivalidade constante entre os Estados Unidos e a França pelo facto de os dois países serem demasiado parecidos. As duas nações reivindicam para si próprias a oferta ao mundo dos valores universais, com as suas respectivas revoluções. A História uniu-as em vários momentos – sempre que tiveram de enfrentar desafios difíceis, como disse o Presidente francês.
Foi também isso que Emmanuel Macron e Donald Trump quiseram sublinhar com uma série de actos simbólicos. O Presidente americano levou o casal presidencial francês a um jantar em Mount Vernon, a plantação de George Washington, o primeiro Presidente americano que comandou a guerra da independência contra os britânicos e que contou com o apoio decisivo da França para vencer as últimas batalhas. Foi a França que ofereceu aos Estados Unidos a Estátua da Liberdade.
Macron não se ficou por menos. Levou ao seu homólogo americano um rebento do carvalho centenário que ainda hoje assinala uma batalha feroz e decisiva travada por nove mil Marines americanos a Nordeste de Paris contra a última ofensiva da Alemanha, acelerando o fim da Grande Guerra. Quase todos perderam a vida. O rebento foi plantado nos jardins da Casa Branca.
Na Europa, incluindo na sua relação com a América, a História está sempre presente, à disposição dos seus líderes. Macron também lembrou Alexis de Tocqueville, o grande historiador francês do século XIX, que escreveu a mais completa história da Democracia americana, ainda hoje uma referência. Poderá esta História comum ajudar à difícil missão de convencer o Presidente americano a não rasgar o acordo nuclear com o Irão?