Circolando e Circular "estupefactas" com rejeição nos apoios da DGArtes
As duas estruturas da Região Norte terão sido sacrificadas pela competição com centros culturais de grande dimensão, como o Vila Flor, de Guimarães.
A Circular – Associação Cultural, entidade que desde há 13 anos promove um festival de artes performativas em Vila do Conde, e a Circolando, estrutura sediada no Porto desde 1999 e com um sólido historial internacional no domínio do teatro e da dança, em ligação com outros campos criativos, ficaram de fora dos contemplados pela Direcção-Geral das Artes (DGArtes) no programa de apoio sustentado para o período-2018-21 na área dos cruzamentos disciplinares.
A lista da DGArtes, divulgada junto dos candidatos esta terça-feira, contemplou apenas 23 das 49 estruturas que se tinham candidatado em todo o país, e para as quais havia uma verba total de 12 milhões de euros a distribuir pelo quadriénio. Mas a exclusão da Circular e da Circolando foi a que motivou maior estranheza no meio, tendo originado reacções veementes de protesto dos seus responsáveis, bem como de figuras destacadas do meio artístico, como Jorge Silva Melo ou José Luís Ferreira.
A direcção da Circular emitiu mesmo um comunicado, esta quarta-feira, a “lamentar profundamente” a sua exclusão. Uma decisão que “coloca em risco o trabalho desenvolvido de forma continuada desde 2004”, e de resto reconhecido no decorrer dos últimos anos pela própria DGArtes, que sempre classificou as suas candidaturas “com distinção”, diz ao PÚBLICO Paulo Vasques, que com Dina Magalhães assegura a direcção da associação.
“Nós estávamos convencidos de que a candidatura que fizemos este ano foi a mais forte e a mais sustentada de sempre”, acrescenta Paulo Vasques, que assim reforça “o estado de espanto” com que a Circular recebeu a notícia.
No imediato, a estrutura vai “accionar todos os mecanismos e instrumentos” ao seu dispor para tentar reverter a situação: já solicitou uma audiência ao secretário de Estado da Cultura e pediu à Direcção Regional de Cultura do Norte autorização para consultar o processo que levou à decisão da DGArtes.
Segundo Paulo Vasques, a única informação que chegou à associação mostra que “a apreciação da candidatura não fez a devida justiça ao projecto, e escudou-se em justificações burocráticas”.
No seu comunicado, a Circular faz o historial da estrutura criada em 2004, desde sempre apoiada pela Câmara Municipal de Vila do Conde e pela própria DGArtes em diferentes modalidades, e faz notar que além do Festival de Artes Performativas naquela cidade – que tem feito apresentar em Portugal figuras como Martine Pisani, Christian Rizzo ou a dupla Cecilia Bengolea & François Chaignaud –, a associação produz e trabalha hoje com vários artistas cujas criações têm ganho projecção nacional e internacional, como João dos Santos Martins, Joclécio Azevedo ou Joana von Mayer Trindade.
Estupefacção no Circolando
Na Circolando, a “estupefacção” era a reacção dominante ao resultado do concurso. “Estamos estupefactos! Como é que nós, que nos últimos dois concursos, há três e há cinco anos, ficámos em primeiro lugar, fomos agora deixados de fora?”, pergunta André Braga, que com Cláudia Figueiredo assume a direcção artística desta estrutura de criação com sede no Porto.
A Circolando apresentou na sua candidatura “sete espectáculos em estreia, só para este ano”, precisa André Braga ao PÚBLICO, e fê-lo com “a forte convicção de que era um programa mais forte do que o de outros anos”, nota o director artístico, que vê na exclusão um facto de tal modo inesperado que a estrutura não sabia, esta quarta-feira, ainda como reagir a ela.
Sobre as razões invocadas pela DGArtes para a retirada do apoio, André Braga disse terem recebido “apenas um parágrafo”. “É uma coisa muito curta, que não conseguimos perceber”, acrescenta.
Entre os projectos para 2018, a Circolando tem quatro criações pensadas para circulação nacional e internacional. Além disso, está a desenvolver com a Câmara Municipal do Porto “um centro de criação artística” com sede na antiga central eléctrica do Freixo (actual CACE Cultural).
“Temos relações e co-produções com as mais importantes estruturas do país, o Teatro Nacional São João e o Teatro Rivoli, o Centro Cultural Vila Flor e o Centro Cultural de Belém… e, de repente, desaparece um parceiro que, para nós, é vital”, desabafa André Braga, ainda na expectativa de que a DGArtes reveja a situação.
Concorrência desleal
Ao que o PÚBLICO conseguiu apurar, tanto a Circular como a Circolando terão sido sacrificadas pelo encaminhamento da percentagem maior – cerca de 70%, numa verba que para toda a Região Norte não chegava aos 600 mil euros – dos apoios ao Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.
Paulo Vasques encontra aqui uma razão para o quadro criado, e lembra que, com o enquadramento actual dos concursos, a DGArtes cria uma “situação de grande injustiça ao misturar estruturas pequenas e independentes com organismos de grande dimensão, que trabalham com instituições municipais”, como é o caso do Vila Flor, ou, noutra região do país, do Teatro Viriato/ Centro de Artes do Espectáculo de Viseu.
No mesmo sentido se manifestou, no Facebook, José Luís Ferreira, considerando como “uma farsa” o facto de três dos quatro primeiros classificados pelo júri da DGArtes – são os casos do Teatro Oficina/Centro Cultural Vila Flor, do Teatro Viriato e do Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo – serem “teatros públicos, que concorrem debaixo de capas independentes”. O produtor e ex-director do Teatro São Luiz, em Lisboa, nota tratar-se de estruturas com “equipas pagas pelo erário público para elaborar a candidatura, um envelope financeiro próprio e um savoir-faire no plano burocrático que as companhias independentes não têm obrigação nenhuma de copiar”. E vê aqui “uma das muitas inanidades dos regulamentos anteriores que era imperativo alterar”, o que não foi feito.
Também via Facebook, Jorge Silva Melo contestou a decisão da DGArtes. “Quando uma companhia exemplar como é a Circolando é rejeitada, o que concluímos? Que os critérios desta ‘direcção-geral’ (que não o é...) estão longe da realidade. Que têm de ser revistos já. E já é tarde.” com Inês Nadais