Costa abriu guerra com o Funchal, PSD-Madeira agradece
Críticas do primeiro-ministro ao défice regional fizeram os social-democratas desenterrar o contencioso autonómico, e deixam PS-Madeira embaraçado.
Quando António Costa, à boleia de Carlos César, foi buscar as contas da Madeira para responder à bancada do PSD, no último debate quinzenal na Assembleia da República, estava longe de imaginar o embaraço que iria provocar no PS do arquipélago.
Costa apontou o dedo à contabilidade do Funchal – “uma desagradável surpresa”, descreveu –, dizendo que a região autónoma, governada pelo executivo social-democrata de Miguel Albuquerque, estava “em dívida” para com o resto do país por ter agravado o défice do ano passado.
Albuquerque apressou-se a desmentir as “declarações lamentáveis” do chefe do governo. Chamou a imprensa, e vincou que as contas da Madeira “estão controladas”, acusando o primeiro-ministro de ter uma “agenda política” para tomar o poder no arquipélago: o único território nacional que não é governado pelo PS. Costa, criticou Albuquerque, confundiu “deliberadamente” contabilidade pública com administrativa. Uma entra nas contas de Bruxelas para apuramento do défice, outra não.
Mas, independentemente de quem tem a matemática alinhada – só a 26 de Março, quando o Instituto Nacional de Estatística divulgar os dados relativos a 2017, é que se saberá – houve sim uma derrapagem política de Costa, que o PSD-Madeira tratou de aproveitar, desfraldando a bandeira autonómica, que tanto serviu Alberto João Jardim.
Depois da reacção política de Albuquerque, o número dois do executivo madeirense, Pedro Calado, respondeu com números. Desde 2013, que a Madeira não tem défice, ao contrário dos Açores e do resto do país, lembrou o vice do governo madeirense, exigindo um “pedido de desculpas” a António Costa.
Do lado do PSD-Madeira, as críticas sucederam-se nos dias seguintes. A narrativa dos social-democratas tem sido que o PS tem utilizado os meios do Estado para condicionar o governo madeirense. Redução dos juros da dívida, verbas para a construção do novo hospital ou apoio financeiro para linha ferry entre o Funchal e o continente são reivindicações que não têm merecido a resposta desejada de Lisboa. As palavras de Costa em São Bento vieram dar força a essa ideia.
No parlamento madeirense, o vice-presidente da bancada do PSD, Carlos Rodrigues pediu a demissão do primeiro-ministro e o “abandono” imediato da vida pública. “É um discurso divisionista, segregacionista, um discurso perigoso. Chama-se a isto empurrar para fora, pôr de parte, discriminar e renegar uma parte da população. Ainda por cima, recorrendo a mentiras, falsidades, manipulações e aleivosias”, disse o deputado.
O tema regressaria à assembleia regional no dia seguinte, com a aprovação de um voto de protesto contra as declarações do primeiro-ministro. A iniciativa do PSD mereceu o voto favorável do CDS. Bloco, PCP, JPP, PTP e deputado independente abstiveram-se e apenas o PS esteve ao lado de Costa, votando contra. E mesmo assim, os socialistas não conseguiram disfarçar algum incómodo, admitindo que a forma como o primeiro-ministro interveio e o local pode não ter sido a melhor.
É que, para a oposição as contas públicas não são um assunto. Pelo contrário. Albuquerque tem sido até criticado por ter uma abordagem demasiado conservadora em matéria fiscal, que tem sempre justificado com a necessidade de manter o rigor nas finanças regionais.
Daí que as críticas de Lisboa àquilo que consensualmente tem funcionado bem no governo madeirense, tenham tirado o chão ao PS-Madeira. O partido, que tem vindo a aproximar-se do PSD nas sondagens, emudeceu perante o despertar desta dialéctica Funchal-Lisboa. Os socialistas, acabados de sair do congresso regional, com uma nova liderança e uma nova estratégia a pensar nas regionais de 2019, precisavam de tudo menos desta polémica, como sintetizou um editorial do Diário de Notícias da Madeira.
“Mais do que pedir desculpas aos madeirenses, que importa recordar, sempre que acossados pela República penalizaram como nunca os autores do sufoco financeiro, devem os autores confessos do contencioso autonómico reaberto não fechar a torneira dos dinheiros públicos indiscriminadamente, bem como penitenciar-se perante Paulo Cafôfo e a nova estrutura socialista madeirense, que sofreram um duro revés numa semana em que poderiam tirar partido das sondagens que colocam a ‘Esperança’ num rumo promissor”, escreveu o director Ricardo Miguel Oliveira.