Uma em cada dez vítimas de violência no namoro sofreu ameaças de morte
Observatório recebeu 128 denúncias de vítimas e de testemunhas de violência no namoro em dez meses. Mais de metade dos casos reportam violência física, e apenas um número residual reconhece precisar de apoio especializado.
“Começou a esperar-me à porta de casa quando chegava do trabalho. Ele dizia que era para fazer uma surpresa, mas hoje sei que era só para me controlar.” No Dia dos Namorados é também altura de falar sobre a realidade menos romântica da violência nestas relações. Um estudo sobre violência no namoro em contexto universitário mostra que mais de metade dos inquiridos foi vítima de violência no namoro e 37% admitem já tê-la praticado. Dos mais de 1800 jovens universitários que responderam, um quinto das raparigas já foi controlada em aspectos que têm dever com a sua imagem física ou com os lugares que frequentam, e 8% já foram obrigadas a ter comportamentos sexuais não desejados.
Estes são alguns dos resultados do Estudo Nacional sobre a Violência no Namoro, que serão apresentados nesta quarta-feira, Dia dos Namorados, no seminário final da primeira edição do Programa UNi+ — Prevenção da Violência no Namoro em Contexto Universitário, promovido pela Associação Plano i e financiado pela Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade. A apresentação das conclusões contará com a presença da secretária de Estado Rosa Monteiro e da presidente da comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Teresa Fragoso.
Para a investigadora Sofia Neves, presidente da Associação Plano i e coordenadora científica do Programa Uni+, estes dados “são muito preocupantes, e acima daquilo que têm vindo a ser as estatísticas dos estudos científicos desenvolvidos até ao momento”. “Estamos a falar de 56,5% destes e destas jovens que foram expostos a pelo menos uma forma de violência”, alerta a docente do Instituto Universitário da Maia (ISMAI).
O estudo mostra ainda que os jovens — a média de idades dos inquiridos situou-se nos 23 anos — não compreendem a complexidade da violência nas relações de intimidade: 13,5% dos rapazes e 6,5% das raparigas entendem que “as mulheres que se mantêm nas relações violentas são masoquistas”, e um quarto dos rapazes considera que algumas situações de violência doméstica são provocadas pelas mulheres — apenas 12,6% das raparigas consideram o mesmo. “Há aqui um desconhecimento muito grande do que leva a que as vítimas permaneçam nas relações”, lamenta Sofia Neves.
A Associação Plano i é também responsável pelo Observatório da Violência no Namoro, que recebeu 128 denúncias — 77 vítimas e 51 testemunhas (colegas, amigos, psicólogos) — desde Abril do ano passado até Janeiro deste ano. O testemunho citado no início desta notícia foi dado por uma destas pessoas. Em 92% dos casos as vítimas são do sexo feminino, e em 94% das denúncias os agressores são do sexo masculino.
Mais de metade dos casos reportam violência física, um terço são de violência social, 27,3% de stalking e 17,2% de violência sexual. Em 10,9% das situações, as vítimas foram ameaçadas de morte por namorados ou ex-namorados. “Ele agarrou num vidro, aproximou-o no meu pescoço e disse: só me apetece matar-te”, relatou uma das vítimas às técnicas do Uni+.
Mas a forma mais frequente de violência no namoro é a violência psicológica — presente em 90,6% dos casos reportados ao Observatório. Isto acontece porque, explica Sofia Neves, quase todas as outras formas de violência costumam ser acompanhadas também pela violência psicológica.
A maioria das denúncias (60,9%) falam de agressões que ocorreram mais do que uma vez, e em um terço dos casos a violência é perpetrada frequentemente. O motivo mais citado pelas vítimas? Ciúmes, em dois terços das situações, mas também problemas mentais dos agressores (35,1%) e consumo de álcool (29,6%).
Destas 128 denúncias, contudo, apenas sete foram feitas por vítimas actuais, ou seja, pessoas que ainda sofriam violência no namoro no momento do contacto. E nem todas estavam dispostas a ser acompanhadas ou a apresentar queixa. O Programa Uni+ abrange também um gabinete de apoio, que acompanhou apenas oito pessoas durante os últimos meses de funcionamento no ISMAI e na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Os números, no entanto, não espantam Sofia Neves: “Há uma resistência muito grande em pedir ajuda, o que faz com que elas lidem sozinhas com a sua própria situação.” Por um lado, existe um receio de uma escalada de violência. Por outro lado, relembra a investigadora, outros estudos apontam uma descrença no sistema e na sua eficácia. Nos casos reportados ao Observatório, em 11,7% foi apresentada queixa às autoridades e em apenas 5,5% das situações foi aplicada uma medida ao agressor.
Mas há também dificuldades em reconhecer que se é vítima. “Tem de ver com uma certa relativização de alguns comportamentos que, sendo violentos, não são assim considerados.” No caso da violência física, por exemplo, Sofia Neves aponta que “uma bofetada, um empurrão, um puxão de cabelos nem sempre são vistos pelas vítimas como comportamentos de violência.” Mesmo no contexto de intimidade, usar da agressividade física durante o acto sexual nem sempre é considerado uma forma de violência.
E como se mostra aos jovens como identificar a violência e rejeitar formas pouco saudáveis de estar numa relação? “Aumentar a consciencialização passa forçosamente pela educação, e pela educação o mais precoce possível”, sublinha Sofia Neves. “Se nos situarmos nesta fase, estaremos a prevenir que depois, no ensino universitário, estes discursos estejam tão cristalizados.”