A controvérsia em torno de Tarantino não pára de crescer

O Washington Post explica como, desde as revelações de Uma Thurman até às declarações sobre Polanski, o realizador está debaixo de fogo.

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Reuters/John Schults

O guião de Kill Bill pedia que Michael Madsen cuspisse em Uma Thurman, mas foi Quentin Tarantino que o fez. Ele não confiava em mais ninguém para cuspir da maneira certa. “Sou o realizador, por isso posso cuspir de uma forma como se [fizesse] direcção de arte”, disse Tarantino na segunda-feira ao site Deadline. “Sei onde quero que aterre. Estou mesmo ao lado da câmara. Por isso, bum! Faço-o.”

O realizador está debaixo de fogo desde que Thurman disse ao New York Times que ele a maltratou no plateau. Tarantino respondeu a essas alegações na entrevista ao Deadline, grande parte da qual diz respeito ao acidente de viação quase fatal que Thurman sofreu nas filmagens de Kill Bill e que é visível em imagens que o New York Times publicou. Mas ele também admitiu ter estrangulado Thurman no plateau, algo que repetiu anos depois com Diane Kruger ao filmar Sacanas sem Lei. (Kruger escreveu no Instagram que compreende e tem empatia comThurman, mas que a sua experiência pessoal de trabalho com Tarantino foi “pura alegria”.)

No meio da controvérsia, não houve qualquer indicação de que o filme de Tarantino planeado para 2019 sobre os homicídios da família Manson – que teriam como figura de primeira linha outra personagem feminina confrontada com violência, Sharon Tate – não esteja a ser feito.

Thurman disse que Tarantino a persuadiu a conduzir o descapotável azul na famosa cena em que a sua personagem, The Bride, parte para matar Bill como uma vingança pelo facto de ele a ter tentado matar anos antes. Embora elementos da produção se lembrem das coisas de outra forma, segundo o Times, ela mantém que inicialmente objectou fazer a cena depois de ter sabido que o carro, convertido de caixa manual para automática, podia não estar nas melhores condições.

“Quentin veio à minha roulotte e não gostou de ouvir ‘não’, como qualquer outro realizador”, disse Thurman. “Estava furioso, porque lhes custaria muito tempo. Mas eu tinha medo… o assento não estava devidamente aparafusado. Era uma estrada de areia e não uma verdadeira estrada.”

Thurman voltou do hospital “num colar cervical com os joelhos traumatizados e com um enorme galo na cabeça e um traumatismo”, disse, acrescentando que ela e Tarantino tiveram depois uma discussão durante a qual ela o acusou de a ter tentado matar. Ambos concordaram, segundo os seus relatos, que a relação de ambos ficou abalada após o acidente, embora Tarantino se lembre dele de forma diferente.

Apesar de admitir que fez algo de errado – “É um dos maiores arrependimentos da minha vida” –, o realizador negou ter alguma vez sabido que o carro não era seguro. E disse que “não a forçou a entrar no carro”.   

Quinze anos mais tarde, Thurman pediu para ver as imagens do acidente. Disse ao Times que Tarantino tinha recusado deixá-la vê-las depois do acidente, mas ele culpou a Miramax de lhe as sonegar. E prosseguiu, dizendo que foi “uma tarefa hercúlea” encontrá-las e dar-lhas.

“Urma pensou que eu tinha concordado com eles em não a deixar ver as imagens”, disse Tarantino. “Eu não sabia necessariamente que tudo aquilo se estava a passar. Sabia que eles não iam deixá-la ver as imagens, mas não sabia que ela pensava que eu fazia parte daquilo.” Quando Thurman partilhou uma parte das imagens no Instagram na segunda-feira, legendou-as, dizendo que o realizador lhe deu as mesmas para que ela pudesse “expô-las e deixá-las ser vistas à luz do dia”.

“Ele também o fez com total conhecimento de que isso lhe traria problemas e estou orgulhosa dele por fazer a coisa certa e pela sua coragem”, escreveu Thurman. Ela diz que responsabiliza exclusivamente os produtores Lawrence Bender, E. Bennett Walsh e “o infame Harvey Weinstein” por encobrirem o acidente. O Washington Post contactou Walsh e Bender, que é um colaborador habitual de Tarantino, para que reagissem.

E quanto a ser estrangulada? Tarantino diz que ter uma corrente – que no filme é atirada à Bride por Gogo (interpretada por Chiaki Kuriyama) — enrolada ao seu pescoço a estrangulá-la foi uma ideia de Thurman. “Nem para sempre, nem por muito tempo”, diz ele sobre como fez o número. “Mas não vai ficar bem [sem se fazer na realidade]. Posso agir como se estivesse estrangulada, mas se queres que a minha cara fique vermelha e que me venham lágrimas aos olhos, então basicamente tens de me estrangular.”

O próximo filme de Tarantino passa-se na Los Angeles de 1969 durante o Verão dos homicídios da família Manson. Leonardo DiCaprio, que já trabalhou com ele em Django Libertado, vai interpretar no filme um actor que está a envelhecer, mas a notícia desse papel foi rapidamente ensombrada e ultrapassada por relatos de que Roman Polanski seria uma personagem central. O realizador, acusado de violação de uma menor nos anos 1970, era casado com Tate na altura da morte desta.

Em 2003, apontou o site Jezebel, Tarantino defendeu Polanski das acusações numa entrevista ao programa de rádio de Howard Stern. Stern perguntou-lhe por que é que Hollywood continuava a apoiar “este louco, este realizador que violou uma miúda de 13 anos”, ao que Tarantino respondeu: “Foi [crime de sexo ou] violação de menores… ele teve sexo com uma menor. Isso não é violação. Para mim, quando se usa a palavra violação, estamos a falar de violência, de as atirar para o chão – é um dos crimes mais violentos do mundo.” Depois de ter sido lembrado que a criança drogada não pode consentir ou não, ele acrescentou: “Olha, ela estava nessa.”

Está ainda por saber se as recentes revelações afectarão os planos para o seu filme, que a Sony vai distribuir. (O Post contactou a empresa em busca de uma reacção.) Bonnie Bruckheimer, produtora e professora na University of Southern California, disse que é improvável que a Sony sofra pressões exteriores dos fãs. “Não sei se eles vão parar e dizer: ‘Não vou ver este filme pela forma como [Tarantino] se comportou com Uma Thurman’”, comentou. “É um grande cineasta, mas os seus filmes são muito violentos.”

Ao longo da sua carreira, Tarantino foi sempre apoiado por Harvey Weinstein, mas precisou de um novo sócio depois de terem surgido as acusações de assédio sexual ao produtor. A Sony lutou muito para ter os direitos do filme sobre Tate, batendo outros interessados como a Warner Bros e a Paramount. Se a empresa quer competir com os gigantes que agora se fundem, como a Fox e a Disney, disse J.D. Connor, professor da mesma universidade na área de Cinema e Estudos dos Media, ser visto como “o novo estúdio de Tarantino” pode ser essencial.  

“A Disney, a NBCUniversal-Comcast e a AT&T-Time Warner são os nossos mega-players”, disse Connor.  “A Sony claramente não é um deles – estão numa luta. Ter um autor da casa, regular, pode não ser uma má forma de continuar.” Mas pode ser uma jogada arriscada, dados os crescentes movimentos #MeToo e Time’s Up centrados na forma como as mulheres são tratadas em Hollywood, disse. E sobre como isso afectará a reputação de Tarantino: “Não sabemos, isto pode ser parte de um longo desenrolar dos acontecimentos.” 

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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