Trump descarrega fogo e fúria sobre o FBI por "politizar" a investigação

Presidente dos EUA não impede divulgação de um memorando do Partido Republicano que acusa o FBI de abuso de poder. Partido Democrata diz que a Casa Branca divulgou informação confidencial "de forma selectiva e enganadora".

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A Casa Branca diz que o FBI trabalhou "a favor do Partido Democrata e contra o Partido Republicano"
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A Casa Branca diz que o FBI trabalhou "a favor do Partido Democrata e contra o Partido Republicano" Reuters/YURI GRIPAS

A guerra política em que se tornou tudo o que rodeia a investigação sobre as ligações entre pessoas próximas de Donald Trump e o Governo russo atingiu esta sexta-feira um ponto que até há pouco tempo nem os mais pessimistas julgavam ser possível.

Depois da divulgação de um memorando feito por congressistas do Partido Republicano, aguarda-se agora para se perceber se o director do FBI e o attorney general adjunto vão ter condições para se manterem nos cargos – uma situação que já seria grave em qualquer circunstância, mas que assume outras proporções por estarem em causa dois dos principais responsáveis pela investigação que envolve a Casa Branca, e ambos nomeados pelo próprio Presidente norte-americano.

Em causa está um memorando com três páginas e meia elaborado por um grupo de funcionários do Partido Republicano na Câmara dos Representantes liderados pelo congressista Devin Nunes – Nunes, que é o responsável máximo da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, não leu os documentos secretos a partir dos quais os funcionários elaboraram esse memorando, mas foi ele quem deu a cara pelos esforços para que essa informação fosse tornada pública, o que aconteceu esta sexta-feira.

O memorando do Partido Republicano não é um documento elaborado pelos serviços secretos norte-americanos – é uma acusação de abuso de poder feito pelo Partido Republicano ao FBI com base em informações retiradas de documentos elaborados pelos serviços secretos. E é por isso que o Partido Democrata acusa o Partido Republicano de ter retirado desses documentos apenas a informação que mais interessa aos que querem descredibilizar a investigação sobre a Rússia, alimentando a versão do Presidente de que tudo não passa de uma caça às bruxas. 

Apesar de já estarem a circular alguns pontos desse memorando desde o início da semana, o conteúdo total só foi conhecido esta sexta-feira, depois de Trump não se ter oposto à sua divulgação pública. No geral, os congressistas republicanos acusam o FBI e o Departamento de Justiça de terem escondido de um juiz informações que podiam pôr em causa a idoneidade de um informador quando pediram autorização para vigiarem um ex-conselheiro da campanha de Trump.

Dossier polémico

Esse pedido foi feito em Outubro de 2016, quando ainda decorria a campanha eleitoral entre Donald Trump e Hillary Clinton. Segundo o memorando, nem o FBI nem o Departamento de Justiça informaram o juiz de que o alvo dessa vigilância, Carter Page, tinha entrado nos radares dos investigadores por causa de um dossier elaborado pelo antigo espião britânico Christopher Steele – um dossier que continha informações que nunca foram corroboradas sobre alegados encontros de Trump com prostitutas na Rússia, e que tinha sido encomendado por uma empresa de pesquisas sobre candidatos eleitorais financiada, em parte, pelo Partido Democrata.

No entender do Partido Republicano, o juiz deveria ter sido informado de todas estas questões – e do facto de Steele ter sido pago por informações pelo FBI em outras ocasiões – para poder tomar uma decisão mais consciente. Assim, argumentam os congressistas republicanos, só fica provado que o FBI e o Departamento de Justiça (nessa época sob a tutela da Administração Obama) abusaram dos seus poderes, com base na ideia de que seria preciso prejudicar a campanha de Donald Trump a qualquer custo.

Mas esta narrativa é posta em causa pelo Partido Democrata, que acusa os republicanos de deixarem de fora do memorando outras informações confidenciais – como, por exemplo, a probabilidade de o pedido feito ao juiz do tribunal especial ter incluído muitas outras informações sobre Carter Page, e não apenas as que estão no dossier de Steele.

Os congressistas democratas elaboraram um memorando com dez páginas para acrescentarem contexto ao divulgado esta sexta-feira, mas a maioria do Partido Republicano no Congresso não aprovou a sua divulgação imediata. Devin Nunes indicou que o memorando democrata será divulgado, mas os republicanos decidiram que isso só será avaliado depois de todos os 435 membros da Câmara dos Representantes terem lido o documento, o que impede a fixação de uma data.

Até lá, diz o Partido Democrata, os norte-americanos só terão acesso à versão que interessa ao Partido Republicano e à Casa Branca na discussão que está a ser feita na televisão, nos jornais e nas redes sociais – e, acrescentam, tanto o seu partido como o FBI e o Departamento de Justiça estão de mãos atadas porque dificilmente vão arriscar a divulgação de mais informações secretas para apoiar as suas versões.

Esta sexta-feira, o Presidente Trump lançou um ataque público cerrado contra o FBI e o Departamento de Justiça, na continuação de uma guerra de palavras que já não se via desde a fase final da Presidência de Richard Nixon, na década de 1970.

"A liderança e os principais investigadores do FBI e do Departamento de Justiça politizaram o sagrado processo da investigação a favor do Partido Democrata e contra o Partido Republicano – algo que seria impensável há pouco tempo", escreveu Trump no Twitter. Pouco depois, chegou a reacção do congressista Adam Schiff, do Partido Democrata: "Não, sr. Presidente, é pior do que isso. O líder do país concordou em divulgar de forma selectiva e enganadora informação confidencial para atacar o FBI – isto é que seria impensável há pouco tempo."

Lugares em risco

Apesar de o memorando do Partido Republicano apontar baterias aos responsáveis do FBI e do Departamento de Justiça quando Barack Obama ainda era Presidente, também dispara na direcção dos actuais responsáveis, nomeados pelo Presidente Trump.

Num dos pontos do documento, o Partido Republicano sublinha que o actual attorney general adjunto (uma espécie de vice-ministro da Justiça e vice-procurador-geral ao mesmo tempo), Rod Rosenstein, renovou o pedido ao tribunal especial para que Carter Page fosse vigiado pelo FBI – o que prova que o Departamento de Justiça na Administração Trump também tinha fortes indícios de que Page era um agente do Governo russo.

Em menos de um ano, o Presidente norte-americano tomou decisões e fez declarações que levaram o procurador especial, Robert Mueller, a estender a sua investigação sobre a Rússia a suspeitas de obstrução à Justiça.

Primeiro, despediu o director do FBI, James Comey, depois de lhe ter pedido para que abandonasse a investigação ao ex-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Michael Flynn; depois, disse numa entrevista ao New York Times que não teria nomeado Jeff Sessions para o cargo de attorney general se soubesse que ele iria afastar-se da supervisão da investigação; e nos últimos tempos tem sido muito falada a sua fúria contra o attorney general adjunto, Rod Rosenstein, o homem que passou a supervisionar a investigação após o afastamento de Sessions e que nomeou Robert Mueller como procurador especial.

Para os apoiantes de Donald Trump, o que está em causa é uma campanha da Administração Obama e de Hillary Clinton contra Trump – uma campanha que contou também com a colaboração de altos responsáveis já nomeados pelo actual Presidente; para o Partido Democrata, Trump e o Partido Republicano estão a descredibilizar as lideranças do FBI e do Departamento de Justiça para abrirem caminho à demissão dos responsáveis pela investigação sobre a Rússia: Christopher Wray, director do FBI, e Rod Rosenstein, attorney general adjunto – segundo esta tese, a saída de Rosenstein seria um caminho alternativo para o afastamento de Robert Mueller, já que o despedimento directo do procurador especial levantaria ainda mais suspeitas de obstrução à Justiça.

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