Países têm de estar disponíveis para contribuir com mais para a UE, diz Costa

Antecipando as negociações exigentes do próximo quadro financeiro plurianual, o primeiro-ministro diz que não se pode exigir que a União Europeia tenha mais responsabilidades e simultaneamente menos recursos

Foto
REUTERS/Francois Lenoir

O primeiro-ministro, António Costa, garante que esteve nesta quarta-feira em Bruxelas para falar sobre as questões do futuro da Europa e participar numa cerimónia de homenagem a Mário Soares no Parlamento Europeu, e não para mitigar os eventuais danos internacionais que as buscas do Ministério Público no Ministério das Finanças - no âmbito de uma investigação sobre um pedido de bilhetes ao Benfica e eventual favorecimento de familiares do presidente do clube - poderiam ter na imagem de Portugal e do presidente do Eurogrupo. “Isso é um caso que, felizmente, está encerrado [ver caixa]. Não é assunto”, sublinhou António Costa aos jornalistas.

Sem perder tempo com polémicas “irrelevantes”, Costa revelou que de manhã, num encontro com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, esteve a preparar o conselho informal de chefes de Estado e de Governo de Fevereiro "e também a reunião da zona euro de Março”. Antes de voltar para Lisboa, o primeiro-ministro tinha um jantar de trabalho com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que incluiria no menu “os mesmos temas” que dizem respeito à negociação do próximo orçamento europeu a que o primeiro-ministro se foi referindo ao longo do dia, em intervenções no Parlamento Europeu.

Das muitas horas passadas dentro do edifício Altieri Spinelli, o primeiro-ministro destacou o “momento especialmente emotivo” de homenagem ao antigo primeiro-ministro, Presidente da República e também eurodeputado português, Mário Soares, cujo nome foi atribuído a uma das salas de reuniões dos grupos políticos do Parlamento Europeu. E também o regresso ao plenário do Comité das Regiões, do qual foi membro enquanto presidente da Câmara de Lisboa e onde fez amizades “que se mantêm até hoje”.

Foi aí que Costa afirmou “com toda a clareza” a posição de Portugal de defesa da Política de Coesão no contexto das negociações — “que serão muito exigentes” — dos recursos disponíveis para o próximo quadro financeiro plurianual da União Europeia, que já não contará com as transferências do Reino Unido, por força do “Brexit”. A política europeia de coesão “não pode nem deve ser a variável de ajustamento” na definição do próximo orçamento da UE, afirmou, referindo-se tanto às novas necessidades de financiamento das políticas de defesa e segurança, como à perda das verbas britânicas.

Para garantir que políticas estruturais que são “fundações sólidas da União”, como a Política Agrícola Comum ou a Política de Coesão, não são prejudicadas nas negociações do próximo quadro financeiro, o primeiro-ministro só vê três possibilidades: um aumento das contribuições dos Estados-membros; um aumento das receitas próprias da União; ou então “um equilíbrio virtuoso entre contribuições e novas receitas próprias”.

Costa não disse se entre estas opções tem alguma como preferida. Mas vincou que o limite de 1% do Rendimento Nacional Bruto das transferências nacionais para o orçamento da UE não pode ser “fixado como dogma”, e que, “se os cidadãos pedem mais à União, os Estados-membros têm de dar mais à União”.

“Nós não podemos querer que a União Europeia tenha mais responsabilidades e simultaneamente menos recursos, o que exige uma disponibilidade de todos os Estados-membros para aumentarem as suas participações e pensarem em conjunto nas novas formas de aumentar os recursos próprios da UE”, esclareceu à saída do plenário. Algumas “boas ideias” que já foram avançadas são, por exemplo, a tributação digital, a taxação das transações financeiras ou o agravamento das taxas ecológicas, considerou António Costa. “Há um conjunto de recursos em que podemos trabalhar para encontrar um bom balanceamento.”

Para o governante português, é muito claro que só com mais recursos a UE será “mais forte, mais resiliente às crises e mais preparada para responder aos desafios” e anseios dos seus cidadãos: as alterações climáticas; a globalização “que desafio a sustentabilidade do modelo social europeu”; a automação; as migrações; a “instabilidade na nossa vizinhança que é um risco para a paz” ou o terrorismo, enumerou.

"Viva a Europa, viva Mário Soares!"

Mais do que uma evocação da memória de Mário Soares, a cerimónia de atribuição do nome do antigo líder socialista a uma sala de reuniões do Parlamento Europeu foi um momento de comunhão e partilha dos valores fundamentais de paz, liberdade, solidariedade e democracia na base do projecto europeu, e de reafirmação dos ideais da construção europeia. “Viva Mário Soares e Viva a Europa”, declarou António Costa no fim da sua intervenção, em que descreveu Mário Soares como “um herói da liberdade e da democracia”.

O primeiro-ministro elogiou a “ousada visão estratégica” de Soares ao subscrever, em 1977, o pedido de adesão de Portugal e, mais tarde, ao assinar o tratado que consagrou a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, em 1985. “Via a Europa unida como uma das mais admiráveis construções políticas, e lutou sempre contra os burocratas, tecnocratas, cépticos e cínicos por uma Europa moderna”.

Antes dele, o antigo presidente do Governo de Espanha, Felipe González, falando na sua qualidade de amigo pessoal e companheiro político que “compartilhou durante meio século as mesmas trincheiras e batalhas” que Mário Soares, referiu-se à desilusão de ambos “quando a União Europeia, enfrentando a crise financeira de há dez anos, se comprometeu com políticas pró-cíclicas de austeridade, esquecendo a matriz de uma economia social de mercado que está na sua construção”.

González disse não poder partilhar do actual “optimismo” com o fim da crise, justificando que esta só acabará quando estiverem fechadas as feridas da desigualdade na distribuição da riqueza. “Temos de enfrentar este problema com os instrumentos de hoje, e não como fizemos há 30 ou 40 anos”, frisou o político espanhol. “Mário Soares estaria de acordo comigo, mas tê-lo-ia dito de outra maneira”, acrescentou.

Isabel Soares comoveu a plateia (a sala estava repleta, com muita gente a assistir de pé ou sentada no chão aos discursos) com o seu tributo ao pai. Desculpando-se pelo “olhar embaciado pela ternura, admiração e gratidão”, a filha de Mário Soares falou de um “homem livre, indomado e indomável, que nunca se deixava abater”, e de um político que “desde muito cedo” percebeu que Portugal não podia viver isolado e por isso foi sempre “um europeísta convicto”. 

“Esta homenagem é para nós, seus filhos, muito comovente, mas também justa”, afirmou, citando o poeta Jorge de Sena para concluir que, no espaço agora chamado Mário Soares, “a sua luz brilha, não na distância, mas no meio de nós”. A sala irrompeu num forte aplauso, ovacionando de pé as suas palavras.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários