As figuras centrais da Operação Lex

Dois juízes desembargadores, Rui Rangel e Fátima Galante, e o presidente do Benfica estão entre os nomes envolvidos nesta investigação.

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Luís Filipe Vieira LUSA/MANUEL ARAúJO
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Rui Rangel Pedro Cunha/Arquivo

Rui Rangel

Juiz-desembargador

“Hoje, os juízes são a classe menos confiável”. Foi assim que Rui Rangel, constituído arguido nesta terça-feira, reagiu em 2015 à revelação, pelo PÚBLICO, de que tinha copiado excertos da sentença de um colega para elaborar um acórdão seu.

Nascido em Angola há 62 anos, não era a primeira vez que o magistrado se fazia notar pelas piores razões. Nem seria a última: há menos de um ano o juiz desembargador foi proibido pelo Supremo, tribunal a que se candidatou sem sucesso nesse mesmo ano, de continuar a tomar decisões sobre a Operação Marquês. Motivo? A sua imparcialidade estava afectada, por se ter no passado pronunciado publicamente sobre o assunto. O facto de ter marcado um jantar com o principal arguido do processo, José Sócrates, imediatamente antes de este ser preso também pesou: havia um relacionamento pessoal entre ambos que ultrapassava o mero conhecimento social. As declarações sobre o caso valeram-lhe ainda uma pena disciplinar de 15 dias de multa aplicada pelo Conselho Superior da Magistratura, que lhe instaurou ainda um inquérito na sequência de ter sido implicado no inquérito do Ministério Público Rota do Atlântico.

Mas estes não foram as únicas relações menos felizes que teve com a justiça. Com três filhos de mães diferentes, este magistrado que chegou a ser secretário-geral da Associação Sindical de Juízes e fundador da Associação Juízes Pela Cidadania surge na investigação do caso vistos gold como tendo viajado para Luanda à conta de um arguido do processo, Eliseu Bumba, a quem prestaria serviços – algo proibido pelo estatuto que rege a sua profissão.

Fora das salas dos tribunais, Rui Rangel sempre teve no Benfica uma paixão paralela. Mas foi apenas quando deixou Angola em direcção à metrópole, aos 18 anos, que assistiu ao primeiro jogo no Estádio da Luz. A partir de então, tornou-se um adepto activo e foi acompanhando a equipa em inúmeras deslocações, acabando por se tornar sócio do clube em 1985, com 27 anos.

O carácter militante do benfiquismo de Rangel só virá à tona, porém, em Junho de 2009, altura em que integra uma lista de opositores à direcção comandada por Luís Filipe Vieira, um movimento encabeçado por Varandas Fernandes e intitulado “Benfica vencer, vencer”. Ao seu lado, nessa “alternativa credível” que configurará a plataforma de candidatura à presidência, estão figuras como José Veiga.

Não avançou para eleições nesse ano, avançaria na oportunidade seguinte. Em Outubro de 2012, numa corrida contra o relógio, viu a sua lista ser aceite pelos órgãos do clube, já depois de ter alicerçado a campanha no chumbo do relatório e contas de 2011-12 e na “decadência desportiva” do Benfica. O (des)equilíbrio financeiro, a gestão das contratações, os direitos televisivos, foram várias as armas de arremesso. Insuficientes, ainda assim, para evitar uma derrota pesada nas urnas, com apenas 17% dos votos dos associados.

O ciclo recente de sucesso interno dos “encarnados” contribuiu para uma mudança de posição de Rui Rangel face aos méritos de Luís Filipe Vieira: se, logo após as eleições, rejeitou liminarmente colaborar com o actual presidente do clube, de há dois anos a esta parte tem-lhe elogiado a faceta diplomática. A.H.

Luís Filipe Vieira

Presidente do Sport Lisboa e Benfica

O futebol e a construção sempre estiveram presentes na vida do agora arguido no processo “Lex”. O mergulho de Vieira nas águas agitadas do futebol dá-se aos comandos de um clube da região onde despontara o império da construção que criou, com a Obriverca à cabeça. Com o empresário ao leme, o Alverca chegada à I Liga. E apesar de essa era dourada do emblema ribatejano durar pouco, confere a Luís Filipe Vieira a notoriedade para se aventurar na corrida à presidência do Benfica, com a bênção e o impulso de Manuel Vilarinho.

A 3 de Novembro de 2003, derrota nas urnas Jaime Antunes e Guerra Madaleno e inicia um longo reinado que, até à data, não encontrou um opositor à altura. De resto, Vieira tem tido também astúcia suficiente para, de uma forma mais ou menos subtil, ir arregimentando os críticos. José Eduardo Moniz é o exemplo mais emblemático – o antigo director-geral da TVI, que hoje é vogal do Conselho de Administração da SAD, chegou a anunciar a disputa das eleições de 2009, mas acabou por retirar a candidatura. Também Rui Rangel, que foi derrotado por Vieira nas urnas, é hoje um confesso adepto do presidente do Benfica.

Nesta duradoura trajectória que faz de Luís Filipe Vieira o presidente do Benfica com maior longevidade no cargo, o dirigente foi um dos porta-vozes do processo Apito Dourado, lançando a teia na direcção do FC Porto e sendo parcialmente envolvido nela pelo caminho (há escutas que dão conta de uma conversa tendente à escolha de um árbitro para um jogo da Taça de Portugal, em 2003-04). Com o sucesso desportivo a saltar à vista nos últimos anos, foi quase só no plano externo que teve batalhas para travar, configurando as recentes acusações de viciação de resultados (em investigação pelas autoridades) o principal fardo mediático com que tem de lidar.

Na vida empresarial o percurso é diferente. Já longe dos tempos da empresa de pneus e da construtora Obriverca, que Luís Filipe Vieira abandonou em 2001 e que acabou liquidada com dívidas de perto de 400 milhões de euros, o presidente do Benfica constituiu várias sociedades debaixo do chapéu da empresa Promovalor, um dos grandes devedores do BES, que foi sucedido pelo Novo Banco. Quando o banco liderado por Ricardo Salgado foi intervencionado, a Promovalor estava com uma dívida também de cerca de 400 milhões de euros que, segundo noticiou há menos de duas semanas o Expresso, foi renegociada com a gestão do Novo Banco, agora controlado por norte-americanos. Nessa renegociação, um fundo constituído por uma empresa de um vice-presidente do Benfica fica a gerir a dívida durante mais cinco anos.

Já a outra empresa de relevo na órbita de Vieira é a Inland, uma imobiliária liderada pelo filho Tiago Vieira e que também foi notícia por estes dias na sequência de diferendos com o fisco. Segundo o Expresso, as Finanças abriram um processo contra a Inland devido ao empreendimento turístico Benagil, que foi objecto de uma inspecção tributária, obrigando a empresa a justificar à Autoridade Tributária vários empréstimos concedidos à Benagil Promoção Imobiliária que tiveram reflexo no exercício fiscal de 2012. N.S./P.F.E.

Fátima Galante

Juíza desembargadora

A juíza Fátima Galante é outra das figuras do processo, tendo sido constituída arguida. Mas esta não é a primeira vez que a mulher de Rui Rangel tem de enfrentar a justiça. O caso passou-se há cerca de duas décadas e Fátima Galante chegou a estar sob suspeita de ter vendido sentenças. Mas acabou por ser ilibada, tendo o entretanto extinto semanário Independente, que havia noticiado o caso, sido condenado a pagar-lhe 50 mil euros – uma pesada indemnização para os valores da época.

A personagem central do processo, um solicitador chamado Hernâni Patuleia, já era octogenário quando tudo se passou, tendo morrido entretanto. Dizia-se amigo da juíza e foi acusado pela justiça de cobrar dinheiro aos seus clientes para obter sentenças favoráveis nos casos em que estavam envolvidos, graças aos bons ofícios da magistrada, que então prestava serviço no Palácio da Justiça de Lisboa, nos juízos cíveis.

Dois advogados que asseguravam que o solicitador lhes pedira dinheiro para pagar os favores de Fátima Galante fizeram queixa às autoridades e começaram a colaborar com a Polícia Judiciária e o Ministério Público nas investigações, ao abrigo da lei anticorrupção.

Os processos correram em separado por estar em causa uma juíza, tendo sido arquivado pelo Supremo Tribunal de Justiça o inquérito que corria contra Fátima Galante. Já o solicitador foi condenado por tentativa de corrupção activa.

Quando Hernâni Patuleia se sentou no banco dos réus da Boa Hora já Fátima Galante tinha sido ilibada. Foi, porém, chamada a depor no julgamento de Hernâni Patuleia, na qualidade de testemunha, local onde tentou, sem sucesso, ser ouvida à porta fechada. A magistrada admitiu ter almoçado várias vezes com o solicitador naquele ano de 1997 mas garantiu que ignorava que este tivesse pedido 15 mil contos ao advogado Gouveia Fernandes para a comprar. Os almoços tinham sido para tratar de outros assuntos que não as suas sentenças, como as dívidas de um cunhado seu, declarou. A.H.

Fernando Tavares

Vice-presidente do SLB

É um dos rostos mais familiares dos corredores do Benfica do novo século. Licenciado em gestão de empresas e detentor de várias pós-graduações, Fernando Tavares tem dividido a vida profissional entre a docência e cargos de administração no sector privado. Entre 2003 e 2008, ganhou notoriedade na Luz como vice-presidente para as modalidades, mas acabaria por deixar o clube (do qual é sócio desde 1976) em desacordo com a política prosseguida por Luís Filipe Vieira e por sentir que as ideias que defendia não tinham suporte institucional. Na altura, chegou a atacar o presidente, com um discurso mais duro, mas em 2012 as desavenças foram atiradas para trás das costas. “Todas as palavras que foram ditas estão ultrapassadas. A amizade sobrepôs-se ao que se disse. Volto porque o Benfica está mais forte, mais centrado”, justificaria o gestor de 57 anos, depois de ter aceitado o convite para integrar a lista candidata às eleições de 2016, na pele de um dos vice-presidentes. De novo com o pelouro das modalidades a cargo, tem presentemente na Cidade Desportiva, projectada para Oeiras para funcionar como um Centro de Alto Rendimento, uma referência de trabalho interdisciplinar para um futuro próximo. N.S.

José Santos Martins

Advogado

Com escritório na Avenida de Berna, em Lisboa, o advogado José Bernardo Santos Martins é amigo do juiz Rui Rangel. E terá sido pelas contas do seu filho, agora com 24 anos, e pelas do próprio jurista que terão passado vários depósitos provenientes do Congo, e investigados no âmbito da operação Rota do Atlântico. As suspeitas são de que o dinheiro depositado nas contas do amigo de Rangel e do seu filho pertencem, na realidade, ao juiz. O escritório do advogado foi alvo de buscas há já cerca de dois anos, durante as quais terão sido encontrados documentos comprometedores para o magistrado. A.H.

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