Republicanos divulgam memorando que abala investigação sobre a Rússia
Partido diz que o início do processo ficou marcado por uma perseguição política e já se ouvem pedidos de "limpeza" no FBI. Partido Democrata fica furioso e lança acusações de jogo sujo.
Nos próximos dias, muitas das conversas sobre a Casa Branca vão passar pela forma como o Presidente norte-americano proferiu o seu primeiro discurso do Estado da União, mas por baixo dos comentários sobre esse momento está a desenrolar-se uma história que pode ser determinante para o resultado das suspeitas de conspiração com a Rússia – e para o futuro de Donald Trump na presidência dos EUA.
Esta semana, o Partido Republicano decidiu tornar público um memorando que atira uma gigantesca sombra de suspeição sobre o FBI e o Departamento de Justiça, acusando as duas instituições de terem lançado a investigação por motivos políticos – e que deixa o actual responsável máximo pela investigação, o attorney general adjunto, Rod Rosenstein, muito mais exposto a uma possível demissão.
Em causa está um documento com três páginas e meia elaborado por membros do Partido Republicano da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, liderada pelo congressista Devin Nunes – que foi membro da equipa de transição de Trump entre a vitória nas eleições e a tomada de posse.
O Congresso autorizou a divulgação desse documento na noite de segunda-feira (o Partido Republicano votou a favor e o Partido Democrata votou contra), e agora cabe ao Presidente Donald Trump aprovar ou reprovar essa divulgação – a Casa Branca já disse que vê a divulgação com bons olhos, o que terá de acontecer até ao final da semana.
Vigilância ilegal?
O principal argumento do Partido Republicano é que o FBI e o Departamento de Justiça (ainda na Administração Obama) esconderam dos tribunais uma informação importante quando pediram um mandado especial para vigiar Carter Page, um banqueiro com fortes ligações à Rússia e conselheiro de Trump durante a campanha eleitoral.
No Outono de 2016, o Departamento de Justiça norte-americano (então ainda na Administração Obama) pediu ao tribunal que autoriza os mandados de espionagem sobre cidadãos norte-americanos (o Foreign Intelligence Surveillance Court) que deixasse o FBI vigiar de perto Carter Page, por suspeitas de que o então conselheiro de Trump era um agente ao serviço do Governo russo.
Essas suspeitas já vinham de 2013, quando o FBI descobriu que Page tinha sido aliciado por agentes russos para partilhar informações importantes, mas o empresário norte-americano negou as acusações e as investigações foram interrompidas. Mais tarde, durante as eleições presidenciais, em 2016, o FBI voltou a interessar-se por Page quando descobriu que o então conselheiro de Trump tinha viajado até à Rússia e que se preparava para voltar ao país.
E é aqui que começa a acusação do Partido Republicano de que esse pedido do FBI e do Departamento de Justiça para vigiarem Carter Page prova que toda a investigação sobre a Rússia é uma cabala contra Trump: no pedido que submeteram ao tribunal, os procuradores não referiram que a informação sobre Page se baseava num polémico dossier elaborado pelo antigo espião britânico Christopher Steele – encomendado pela Fusion GPS, uma empresa contratada por uma firma de advogados que trabalhava para o Partido Democrata.
Para o Partido Republicano, ao deixarem de fora esta informação, os responsáveis pela investigação no FBI e no Departamento de Justiça, na era Obama, mostraram que apenas queriam perseguir Trump – e entre os congressistas há quem peça o fim das investigações por causa disso, apesar de outros defenderem que essas investigações não podem ser postas em causa.
Para reforçar este argumento, os congressistas republicanos apontam para os milhares de mensagens trocadas entre o agente do FBI Peter Strzok e a advogada Lisa Page, que fizeram parte da investigação sobre a Rússia. Nessas mensagens, Strzok chamou "idiota" a Trump e disse que Hillary Clinton "devia ganhar 100.000.000 – 0" depois de um dos debates da campanha eleitoral. Ambos foram afastados da equipa de Mueller quando essas mensagens foram descobertas.
Do outro lado, os congressistas democratas acusam os republicanos de incluírem no memorando apenas o que lhes interessa para pintarem o quadro que mais serve ao Presidente Trump. O congressista Adam Schiff acusou o Partido Republicano de ter deixado o FBI, o Departamento de Justiça e o seu partido num beco sem saída: todos têm informações que contextualizam o caso, mas não podem divulgá-las por receio de pôr em causa a identidade de fontes e agências de serviços secretos de países aliados – e acusam os republicanos de terem aberto um grave precedente com a votação, abrindo a porta à divulgação de informações que podem comprometer o interesse e a segurança nacionais.
Por exemplo, é provável que os agentes do FBI e os procuradores do Departamento de Justiça tenham baseado o pedido de vigilância de Carter Page em várias fontes, e não apenas no polémico dossier pago pelo Partido Democrata.
E, para agravar ainda mais a tensão no Congresso, o Partido Republicano rejeitou um pedido do FBI para que os seus especialistas pudessem estudar o memorando e apresentar o seu ponto de vista aos congressistas. Foi também rejeitada, para já, a divulgação de um memorando de resposta do Partido Democrata – os congressistas republicanos dizem que ainda não tiveram tempo para estudá-lo, mas deram a entender que vão acabar por autorizar a sua divulgação, sem avançarem qualquer data.
Alvo: Rosenstein
Apesar de se centrar nas decisões do FBI e do Departamento de Justiça na era Obama, o memorando do Partido Republicano também acaba por acertar em cheio no actual attorney general adjunto, Rod Rosenstein – um republicano nomeado para o cargo por Trump, mas que tem sido alvo da fúria do Presidente desde Maio do ano passado, quando nomeou Robert Mueller para liderar a investigação sobre a Rússia.
No memorando, o Partido Republicano revela que Rosenstein renovou o pedido de vigilância sobre Carter Page em Abril do ano passado, o que significa que também o actual Departamento de Justiça considera haver indícios suficientes de que o antigo conselheiro de Trump é, ou foi, um agente ao serviço dos russos.
Com Rod Rosenstein alvo da fúria dos apoiantes do Presidente e abandonado pelo Partido Republicano, poderá ser mais fácil para Trump justificar o despedimento do attorney general adjunto ou outras figuras envolvidas na investigação sobre a Rússia – esta teça-feira, o speaker da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, disse que a divulgação do memorando pode contribuir para "purificar" o FBI.
A partir do momento em que o memorando for tornado público (há dias que passeiam pelo Twitter, entre apoiantes de Donald Trump, hashtags como #ReleaseTheMemo), o argumento a favor de uma possível acusação contra Trump – e de um hipotético processo de impeachment – fica ainda mais frágil.
Como a destituição de um Presidente só pode ser tratada no Congresso (com a Câmara dos Representantes a acusar e o Senado a julgar), e o Partido Republicano está em maioria nas duas câmaras pelo menos até Novembro, a decisão de tornar público o memorando só pode significar uma de duas coisas: ou os congressistas republicanos acreditam mesmo que houve uma cabala contra Trump, ou estão a fazer tudo para instalarem a dúvida em milhões de norte-americanos, para além dos mais fervorosos apoiantes do Presidente.
E, se isso acontecer, o cenário de um impeachment fica ainda mais distante do que já está – sem um forte apoio popular, e com um Partido Republicano nada disposto a ir contra o seu Presidente no Congresso, sobram poucos motivos para se antever uma saída da Casa Branca antes do tempo.