Operadores tentam evitar regulação na compra acidental de jogos e toques
Depois da recomendação da Anacom para que se altere a lei, os operadores apostam na auto-regulação para resolver o problema dos polémicos serviços de jogos e toques subscritos na Net. Governo e Parlamento ainda não sabem se vão mexer na lei.
Há muito que as queixas dos clientes de telecomunicações contra os serviços subscritos acidentalmente na Internet se faziam ouvir, mas foi preciso que a Anacom recomendasse mudar a lei e abrir a porta à restituição obrigatória dos valores cobrados para que os operadores se juntassem num esforço de auto-regulação destinado a adoptar regras comuns para a cobrança destes produtos.
Trata-se de serviços como jogos, vídeos, toques de telemóvel, concursos ou wallpapers que são prestados por outras empresas, mas que são cobrados automaticamente na factura das telecomunicações e que também representam uma fonte de receita para a Nos, a Vodafone e a Meo.
Em Novembro, a Anacom propôs ao Governo que a Lei das Comunicações Electrónicas passe a prever que estes serviços só podem ser cobrados quando os assinantes tenham “prévia, expressa e especificamente autorizado” a realização do pagamento, e fez a mesma recomendação aos operadores, de que só cobrassem com a autorização expressa dos clientes.
Além disso, a entidade liderada por João Cadete de Matos também quer que a lei estipule que, caso não tenham dado autorização, os consumidores podem recusar o pagamento e que, caso este já tenha ocorrido, tenham direito à restituição dos valores.
Sobre esta proposta de alteração legislativa, o Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas disse que o tema está “em análise” e notou que o Parlamento está “igualmente a avaliar o tema” e até poderá “vir a sugerir outras soluções, nomeadamente através das leis de protecção ao consumidor”.
Aparentemente, as propostas do regulador já surtiram algum efeito junto das empresas. Segundo adiantaram a Vodafone e a Meo, os operadores puseram em marcha uma iniciativa conjunta para adoptar medidas de reforço da “protecção dos clientes no acesso a estes serviços de conteúdos, com especial enfoque na transparência e na clareza do processo de adesão”.
Isto porque, como a própria Anacom frisou, nalguns casos os consumidores que reclamam destes serviços (facturados através de um método de pagamento – o WAP billing – que permite as cobranças automáticas na factura sem que o utilizador tenha que apresentar quaisquer outros dados) só se dão conta da situação “através de um SMS” de confirmação da subscrição pelos fornecedores dos conteúdos. E noutros casos só “ficam a saber quando verificam a factura ou o saldo” dos serviços móveis.
É que na maior parte das vezes, os botões que servem para subscrever estes serviços nas páginas de Internet estão dissimulados e os utilizadores (em muitos casos, crianças) julgam, por exemplo, que estão a abrir uma imagem, a fechar uma publicidade ou a fazer uma pesquisa.
Marcas como Mobibox, ZigZagFone, Gamifive e WixaWin são motivo de queixas frequentes online por parte dos consumidores, que em larga medida se sentem burlados e apontam o dedo ao que consideram ser a conivência dos operadores. O que já motivou a entrega de duas petições na Assembleia da República. A primeira, como o PÚBLICO noticiou em Maio, tinha o título “Assalto através de telemóvel? Ou crime de burla através do telemóvel” e insurgia-se contra a cobrança indevida de conteúdos da Mobibox. A segunda, mais recente, intitulada WAP Bullying, chegou ao Parlamento em Julho e os peticionários foram ouvidos esta semana na Assembleia da República por alguns dos grupos parlamentares.
Mas, para já, não é claro que surjam propostas de legislação sobre uma actividade que cai numa espécie de limbo legislativo e de supervisão. Segundo a Anacom, a actuação das empresas de WAP billing cai sob a alçada da Direcção-geral do Consumidor ou da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), se houver queixas ou litígios. Por outro lado, como não são serviços de valor acrescentado, nem serviços de comunicações electrónicas, também não lhes é aplicável a Lei das Comunicações Electrónicas.
“Há um problema sério, mas falta perceber se é preciso alterar a lei ou se é uma questão de actuação do regulador”, disse o bloquista Paulino Ascenção. Mesmo considerando que “não é concebível que os subscritores paguem um serviço que não desejaram subscrever”, o PS “está a avaliar” se o tema pode ser resolvido com “mais regulamentação”, afirmou o deputado Luís Moreira Testa, que admite chamar a Anacom à comissão de Economia para discutir o tema.
Quem também pondera ouvir o regulador é o PSD. O deputado Joel Sá destacou que os sociais-democratas estão “a analisar o tema” e a “tentar perceber qual o âmbito” em que se deve actuar, tendo em conta que são matérias que recaem sobre as telecomunicações e a defesa do consumidor. Numa crítica directa aos operadores de telecomunicações disse que “o que está a acontecer é grave, é um abuso de confiança”.
Já o deputado do CDS Hélder Amaral considera que, para já, a melhor estratégia será “pressionar as empresas”. É preferível fazer “um compasso de espera” e perceber “se o problema pode ser resolvido com auto-regulação” e se os operadores conseguem “corrigir a situação”, afirmou.
Se ainda é cedo para perceber o que farão o Governo e o Parlamento, as empresas garantem que já reforçaram a protecção dos consumidores. A Meo diz que tem acordos “com os prestadores de serviços WAP billing” e que nas situações em que os clientes entendem “que houve uma subscrição sem a clareza e a transparência previstas, este é sempre protegido”. Isto, “através da análise cuidada da situação, da inibição de futuras adesões e, quando se justifique, da devolução de valores cobrados”.
A Nos garantiu que em” todas as situações em que o cliente reporte (…) não ter subscrito o serviço (…) reembolsa o valor em causa”. Além disso, a adesão aos serviços passou a exigir “um processo de dupla autenticação no momento de activação, pelo que hoje é residual a percentagem de clientes que activa inadvertidamente o serviço”, referiu fonte oficial da empresa.