Trump arrisca enfurecer o mundo para pôr empresas americanas "first"
Washington impôs taxas aduaneiras elevadas para limitar importação de máquinas de lavar roupa e painéis solares. Coreia do Sul apresentou queixa à OMC.
Enquanto os helicópteros da elite financeira aterravam na estância de luxo suíça de Davos para o conclave anual do liberalismo económico, o Presidente dos EUA, Donald Trump, que este ano também lá vai discursar, punha rivais e aliados em fúria por ter decidido impor tarifas mais pesadas sobre a importação de dois produtos.
Máquinas de lavar roupa e painéis solares exportadas para os EUA vão passar a ser alvo de impostos mais elevados. A decisão foi tomada na sequência de uma investigação lançada pela Comissão de Comércio Internacional, motivada por queixas das empresas norte-americanas dos dois sectores, que alegavam estar a ser prejudicadas pelas importações a preços baixos. A comissão validou as queixas e a Administração Trump aprovou um endurecimento das tarifas, ao abrigo de uma cláusula legislativa, a Secção 201 do Trade Act, que permite a aplicação de medidas temporárias em situações de “penalização grave” para a indústria nacional.
A Coreia do Sul e a China sentiram-se especialmente visados com os impostos – a Samsung e a LG são os principais fornecedores de electrodomésticos para o mercado norte-americano e a China é o maior fabricante de painéis solares. O Governo de Seul anunciou que vai apresentar uma queixa junto da Organização Mundial do Comércio. “Iremos responder a estas medidas proteccionistas”, garantiu o ministro do Comércio sul-coreano, Kim Hyun-chong.
Um porta-voz do Governo chinês manifestou “forte desagrado” com a decisão, que diz poder vir a comprometer os esforços para o desenvolvimento de energias renováveis nos EUA.
Um dos grandes alicerces da campanha vitoriosa de Trump foi a promessa de proteger as empresas e os trabalhadores norte-americanos, nem que para isso tivesse de pôr em causa princípios basilares do liberalismo, tais como o comércio livre. Foi com o objectivo de livrar os EUA de “acordos ruinosos” que, há precisamente um ano, Trump abandonou o projecto da Parceria Trans-Pacífico ainda antes de nascer.
Porém, a Administração norte-americana coibiu-se de tomar novas medidas no mesmo sentido, acalmando os receios de muitos analistas de que Trump pudesse abrir uma “guerra comercial” contra a China, alvo privilegiado dos ataques do Presidente, com acusações de práticas comerciais desleais e até de “violar” os EUA.
O endurecimento dos impostos sobre estes dois produtos não é, para já, motivo de alarme. “Se este é o início de uma guerra comercial, os primeiros tiros foram disparados por uma pistola de ervilhas”, disse à CNN o especialista do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, Scott Kennedy.
Não há sinais de que as medidas agora anunciadas sejam o prelúdio de uma guerra comercial, mas é improvável que o proteccionismo norte-americano fique por aqui. Em cima da mesa estão novos impostos sobre a importação de aço e alumínio, para além de uma grande investigação em curso às suspeitas de roubo de propriedade intelectual por parte da China.
“Se os EUA estão a usar a Secção 201 para te atingir, eles vão bater-te com força”, disse o economista-chefe da Capital Securities em Pequim, Zhang Yi, citado pela Reuters.
As tarifas são variáveis e, apesar de não terem ido tão longe como as empresas gostariam no caso dos painéis solares, foram bem recebidas pelos dois sectores. “Este anúncio é o culminar de quase uma década de litigância e irá dar origem a novos empregos no Ohio, Kentucky, Carolina do Sul e no Tennessee”, afirmou o presidente da Whirlpool, Jeff Fettig, o principal fabricante norte-americano de máquinas de lavar.
Neste caso, no primeiro ano de aplicação da nova modalidade, os primeiros 1,2 milhões de unidades terão um imposto de 20%, e só depois será aplicada uma tarifa de 50%. No terceiro ano, as duas tarifas descem para 16% e 40%. As importações de painéis solares vão ser taxadas a 30%, caindo para metade a partir do quarto ano em que esta medida estiver em vigor. Mantém-se, porém, uma isenção de tarifas aduaneiras para painéis solares com uma capacidade produção até 2,5 gigawatts, equivalente a 11 milhões de unidades.