PS cede e propõe que trabalhadores possam recusar mudar de empresa
Os socialistas chegaram a acordo com o Bloco e o PCP para incluir na revisão ao regime da transmissão de estabelecimento o direito de oposição do trabalhador. As alterações à lei surgiram com a polémica em torno dos processos de transferência na PT/Altice.
O PS, o PCP e o Bloco de Esquerda aprovaram nesta sexta-feira um texto comum que vem substituir os três projectos de lei apresentados pelos partidos para alterar o regime jurídico da transmissão de estabelecimento, o mecanismo que permite a transferência de trabalhadores para outra empresa e que saltou para as luzes da ribalta depois de ter sido usado pela PT/Altice para transferir os contratos de cerca de uma centena de trabalhadores.
Neste texto comum que esteve a ser negociado nos últimos dias entre os partidos da maioria de esquerda, o destaque vai para algo que o PCP e o Bloco já defendiam – e que também era uma reivindicação dos sindicatos e da comissão de trabalhadores da PT – que era a introdução na lei do direito de oposição do trabalhador, ou seja, a possibilidade de o trabalhador recusar a sua transferência para outra empresa.
No projecto de alteração entregue em Setembro, os socialistas introduziram a possibilidade de penalização da transferência fraudulenta de trabalhadores, mas deixaram de fora a possibilidade de recusa do trabalhador por se considerar que poderia “prejudicar mais a salvaguarda dos postos de trabalho do que favorecer”, como disse então o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro.
Dando o exemplo do sector da construção, disse que essa recusa dos trabalhadores poderá culminar com a falência das empresas. “Não nos parece útil, em função de um caso concreto [a PT] prejudicar uma lei que está a ser bem aplicada”, precisou então.
Porém, nas negociações dos últimos dias, o PS acabou por aproximar-se do Bloco e do PCP. De acordo com o aditamento à lei apresentado na proposta conjunta divulgada ao início da tarde, o trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão do seu contrato de trabalho “em caso de transmissão, cessão ou reversão de estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica” nos casos em que essa transmissão “possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente”. Também pode opor-se se “a política de organização do trabalho” do novo empregador “não lhe merecer confiança”.
A oposição do trabalhador “obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho (…) mantendo-se o vínculo à entidade transmitente”, refere ainda o texto comum que, no entanto, não tem efeitos retroactivos, pelo que aparentemente não terá efeito sobres os contratos que a PT já transferiu no Verão passado.
De acordo com a proposta, quando decidam avançar para um processo de transmissão, o transmitente e o adquirente devem informar por escrito os representantes dos trabalhadores abrangidos pela transferência ou, caso não exista representantes, comunicar aos próprios trabalhadores, a “data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projectadas em relação a estes”. Também devem informar “sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente” (que era outra queixa que os sindicatos faziam, a de não ter acesso aos contratos).
Em Outubro, pouco depois da apresentação da proposta do PS de revisão da lei de transmissão de estabelecimento, os sindicatos da PT foram informados pela gestão da empresa de que novos processos deste tipo estavam suspensos “para reanálise”.
Fim do "uso abusivo" da transmissão de estabelecimento
“É um dia histórico”, afirmou ao final desta manhã aos jornalistas, no Parlamento, a deputada socialista Idália Serrão. A deputada considerou que as alterações propostas ao Código de Trabalho trazem uma “salvaguarda de direitos” mas “sem colocar em causa a liberdade organizativa das empresas”. Em causa está sobretudo a figura da transmissão de empresas ou estabelecimento e o facto de ter sido “usada abusivamente”, disse a deputada sem nunca referir o nome da PT/Altice.
Já os partidos à esquerda apontaram o dedo à PT/Altice mas reforçaram a ideia de que estas alterações servem para casos futuros. Para a deputada do PCP Rita Rato a principal alteração consagrada na proposta é o direito da oposição dos trabalhadores. “Vai passar a ser mais difícil que as empresas usem a transmissão de estabelecimento para despedir trabalhadores”, afirmou.
O deputado bloquista José Soeiro destacou a clarificação do conceito de unidade económica, que “permitiu à Altice pegar em trabalhadores de um departamento e transferi-los para outra empresa”.
José Soeiro sublinhou ainda o agravamento das contra-ordenações para as empresas infractoras na proposta agora acordada na maioria de esquerda. O deputado disse esperar que “esta seja a primeira de um conjunto de alterações à lei do trabalho”, uma meta que é perseguida pelo BE.
As alterações aos diplomas vão ser discutidas na quinta-feira da próxima semana, mas a votação final global só deve acontecer na semana seguinte.