Tribunal Constitucional pediu retroactividade da lei de financiamento

No primeiro debate após o veto presidencial, o PS defendeu, com o PCP e o PEV, as alterações à lei sobre as quais Marcelo sugeriu o “expurgo”. Mas vai ficar à espera do PSD para tomar uma decisão final.

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Jorge Lacão Nuno Ferreira Santos

Foi o Tribunal Constitucional (TC) que pediu ao Parlamento que a nova lei do financiamento dos partidos tivesse efeitos retroactivos e se aplicasse aos processos pendentes. A revelação foi feita esta quinta-feira pelo socialista Jorge Lacão e confirmada ao PÚBLICO pelo Palácio Ratton.

“O Tribunal Constitucional sugeriu os termos de uma norma processual transitória em matéria de fiscalização das contas e de sancionamento das contraordenações, apontando para a aplicação da lei nova aos processos pendentes”, lê-se na resposta enviada pelo gabinete de imprensa do TC à pergunta do PÚBLICO.

As justificações também estão lá: a “obediência aos princípios gerais de aplicação das leis no tempo, como, e sobretudo, porquanto a lei anterior – e ainda vigente – suscita problemas de constitucionalidade”. Já sobre as duas questões mais polémicas da lei vetada, e sobre as quais o Presidente da República sugeriu o “expurgo” do texto, a mesma fonte do TC adianta que, “naturalmente, o Tribunal não se pronuncia sobre o regime do IVA ou sobre tectos em matéria de angariação de donativos pelos partidos políticos”.

Com esta retroactividade, seriam devolvidos à Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos 24 processos pendentes que o TC tem por resolver desde, pelo menos, 2016. Mas como o texto aprovado a 21 de Dezembro por todos os partidos à excepção do CDS e PAN não limitava os efeitos dessa norma transitória aos processos no âmbito do TC, poderiam vir a aplicar-se a todos os outros, em particular os pendentes do Tribunal Tributário relativos ao PS, PCP e PSD.

A revelação de que a retroactividade da lei foi pedida pelo TC foi feita no primeiro plenário do ano por Jorge Lacão, a propósito do debate preliminar sobre o veto do Presidente da República. Na declaração política do PS, Jorge Lacão foi bastante duro com o CDS, acusando-o de ter uma “atitude política de má-fé” e de não se “portar com dignidade” ao criticar agora a lei em cuja discussão participou durante meses num grupo de trabalho e onde não levantou reservas sobre a norma transitória que diz que as novas regras se aplicam aos “processos novos e pendentes” actualmente em tribunal – a mesma norma que os centristas querem agora revogar. Uma norma que, acrescentou o deputado socialista, foi colocada na lei “na sequência da sugestão do Tribunal Constitucional” e que não inclui “intenção nenhuma de retroactividade”.

Os deputados já tinham decidido, de manhã, aceitar o pedido do PSD para que o debate final sobre o diploma (e a decisão de confirmação ou não da lei) tivesse lugar apenas depois de eleitos os novos órgãos do PSD, ou seja, depois do congresso de meados de Fevereiro. Mas a leitura do veto mereceu um “pequeno debate” e o assunto entrou pelas declarações políticas.

Se alguma clarificação houve, foi a que já se esperava: CDS e PAN defendem a eliminação das normas criticadas pelo chefe de Estado – com os centristas a quererem eliminar também a norma transitória da retroactividade -, PCP e PEV defendem a confirmação da lei como está, o Bloco de Esquerda diz que está disponível para “corrigir e melhorar” o texto e os dois maiores partidos reservam a sua posição para mais tarde.

Mas os socialistas foram claros na defesa do mérito das alterações vetadas, o fim do limite da angariação de fundos e a isenção total de IVA aos partidos. Pela voz de Jorge Lacão, a bancada do PS defendeu aquelas duas alterações. “Não faz sentido que os partidos sejam os únicos organismos em Portugal a terem constrangimentos à possibilidade de angariar financiamento”, sustentou, reforçando as palavras antes proferidas pelo comunista António Filipe no mesmo sentido.

“Faz sentido que os partidos sejam os únicos a ter limites à angariação, porque são os únicos que podem ganhar eleições, ganhar câmaras e governar o país e deve ser evitado qualquer tipo de promiscuidades”, ripostou o líder parlamentar do CDS. Nuno Magalhães questionou directamente Lacão sobre  o que vai fazer o PS, mas ficou sem resposta clara.

Lacão preferiu sublinhar que o PS vai manter a filosofia do “trabalho conjunto” e do “máximo consenso possível” com o PSD, PCP, BE e PEV sobre o financiamento dos partidos e levará essa atitude “até ao fim”. Ou seja, se por um lado deixa no ar a ideia de que poderá confirmar o texto que aprovou em Dezembro quando ele voltar a ser apreciado em plenário – opção já assumida por PCP e PEV -, por outro mostra que está à espera do que decidir a futura direcção do PSD – até porque precisa do apoio dos sociais-democratas, uma vez que a confirmação do diploma por cima do veto presidencial exige maioria de dois terços.

Antes, as intervenções do social-democrata José Silvano, presidente do grupo de trabalho sobre o financiamento partidário, do ecologista José Luís Ferreira e do comunista António Filipe foram uma espécie de passa-texto destes partidos com o PS.

José Silvano contestou a ideia do secretismo e quis saber, pela “experiência” de Lacão, se não é natural os partidos trabalharem informalmente em grupos de trabalho. O socialista aproveitou para criticar o antigo líder do PSD, Luís Marques Mendes, por dizer que o processo foi um “escândalo”, e afirmou que a revisão constitucional de 1997 foi concertada precisamente assim, entre o próprio Lacão e Mendes, entre o PS e o PSD, sem actas nem acordos escritos. Uma forma de atirar uma farpa também ao Presidente da República, que na altura era o presidente do PSD.

António Filipe também visou o Presidente da República, quando contestou a "ausência de fundamentação publicamente escrutinável" destas alterações legislativas: "Não nos lembramos de uma matéria não escrutinável que tivesse sido tão escrutinada como esta”.

O centrista António Carlos Monteiro e o comunista António Filipe protagonizaram o momento mais tenso da discussão, com o primeiro a indignar-se com acusações de mentira e o comunista a criticar o peso do financiamento público nas contas dos centristas: "Os senhores vivem à conta dos contribuintes".

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