Perdão de Fujimori leva a protestos e a realinhamento político no Peru
Um Presidente tenta dividir um partido de dois irmãos, filhos de Fujimori, para reinar.
O perdão do Presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski a Alberto Fujimori, condedido na véspera de Natal, motivou protestos nas ruas que reanimaram uma tensão política adormecida no país. Esta decisão pode levar ao maior realinhamento político no Peru desde que Fujimori fugiu para o Japão em 2000, na sequência de um escândalo de corrupção e irregularidades eleitorais que puseram fim aos seus dez anos na presidência.
O processo que levou à condenação, em 2009, de Alberto Fujimori, fez com que o Peru recebesse elogios internacionais à sua capacidade para lidar com os crimes cometidos durante a presidência deste, desde a actividade de esquadrões da morte até ao sequestro, ao roubo de provas e à corrupção. Fujimori, que fora extraditado dois anos antes para o Peru a partir do Chile, onde foi detido durante uma visita, foi condenado a 25 anos de prisão.
Mal foi divulgada a informação do perdão presidencial, surgiram protestos nas ruas, em especial na capital, Lima.
O Presidente “roubou-nos a tranquilidade e o direito de justiça ao dar este perdão não merecido a Fujimori”, disse Gisela Ortiz, irmã de uma das vítimas de um massacre levado a cabo por um esquadrão da morte.
Mas também houve manifestações a favor da decisão, com apoiantes a celebrar o perdão perto do hospital onde Fujimori está internado.
Fujimori é uma figura polarizadora – liderou um regime brutalmente repressivo, mas conseguiu estabilizar a inflação e derrotar a guerrilha maoísta do Sendero Luminoso. Por outro lado, a enorme escala de corrupção foi a gota de água para muitos peruanos.
O Presidente Kuczynski (centro-direita), que é da mesma idade de Fujimori, 79 anos, prometera, antes de ser eleito, que não concederia qualquer perdão ao antigo chefe de Estado. Ganhou, aliás, as eleições de Junho de 2016 graças ao apoio de anti-fujimoristas, que preferiram votar nele do que na filha de Fujimori, Keiko, que lidera o partido Força Popular (direita populista) e que quase foi eleita por duas vezes.
Mas Kuczynski vinha a falar na possibilidade de um indulto humanitário, e acabou por o conceder na véspera de Natal, depois de Fujimori ter sido levado para o hospital por estar com arritmia e quebra de tensão. O seu gabinete emitiu uma nota justificando a decisão com um parecer médico a dizer que Fujimori sofre de uma “doença degenerativa, progressiva e incurável”.
O perdão acontece dias depois de Kuczynski ter sobrevivido, por uma curtíssima margem, a uma moção que visava a sua destituição por suspeitas de corrupção no âmbito da operação brasileira Lava Jato, ligadas a operações da construtora Odebrecht, que pagou subornos a governantes para ser favorecida em contratos.
Kuczynski conseguiu manter-se na presidência também graças à abstenção de dez deputados do partido dos filhos de Fujimori, levando à especulação de que se tratou de uma troca de favores: a sobrevivência do Presidente pelo perdão de Fujimori.
Keiko, a filha e líder do partido, votou contra (aliás, o seu partido foi um dos que propôs a moção). Kenji, o filho mais novo, absteve-se. O partido de Keiko tem a maioria no Parlamento e ela seria a favorita se houvesse novas eleições presidenciais.
Com esta aproximação ao filho mais novo de Fujimori, Kuczynski ganhou de duas formas: assegurou que não era destituído, e dividiu o partido da filha de Fujimori, dificultando a vida de Keiko.
“Se Keiko tiver o controlo total do partido, é a próxima candidata e deverá ser a próxima Presidente”, disse Steven Levitsky, professor de ciência política em Harvard, ao diário britânico The Guardian. “Mas com Alberto [Fujimori] fora da prisão, as coisas mudam.”
Há quem especule que Kenji poderá até desafiar a irmã na liderança da Força Popular.
Mas por outro lado, Kuczynski arriscou a coesão no seu próprio partido: alguns deputados criticaram o perdão – um porta-voz acusou o Presidente de trocar as abstenções dos fujimoristas pelo indulto ao antigo ditador, contradizendo totalmente o Governo, que sempre negou que um perdão fizesse parte de negociações políticas.
Esperam-se agora várias demissões, e dependendo da escala das saídas, há ainda da possibilidade de uma remodelação governamental.
“Isto vai ser explosivo”, disse Jo-Marie Burt, do centro de estudos Washington Office on Latin America. “PKK [como é conhecido Kuczynski] já tinha sugerido que poderia perdoar Fujimori. Mas fazê-lo deste modo, depois de sobreviver à justa a uma destituição, na véspera de Natal, é um gesto incrível de desrespeito para com as vítimas do fujimorismo”, disse Burt ao Guardian.