Carrilho absolvido do crime de violência doméstica por juíza que Bárbara Guimarães queria afastar
De acordo com o tribunal a apresentadora é uma mulher destemida e dona da sua vontade, pelo que não é plausível que na sequência das agressões tenha continuado com o marido em vez de se proteger a si e aos filhos.
Inocente. O ex-ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho foi nesta sexta-feira absolvido no Campus da Justiça, em Lisboa, pela juíza que a sua ex-mulher Bárbara Guimarães queria no início do ano passado afastar do processo, por suspeitar da parcialidade da magistrada. Carrilho tinha sido acusado de violência doméstica durante o casamento. Foi condenado apenas por difamação. O advogado de Bárbara Guimarães afirmou-se "chocado" com a sentença, garantindo que vai recorrer.
A juíza Joana Ferrer fez saber que Bárbara Guimarães deveria ter ido ao Instituto de Medicina Legal, e não foi, para que as agressões ficassem documentadas: "Um relatório pericial de dano corporal seria, seguramente, um fortíssimo e decisivo elemento de prova a apresentar num julgamento por crime de violência doméstica". O argumento da queixosa, de que não o fez por vergonha, não comoveu o tribunal, que entendeu que, a partir do momento em que a apresentadora decidiu apresentar uma queixa-crime contra o marido por violência doméstica, sabia que o caso viria necessariamente a público.
Não foi apenas esta a única incoerência que a justiça viu no comportamento de Bárbara Guimarães. Joana Ferrer disse também que sendo ela uma mulher destemida e dona da sua vontade não é plausível que na sequência das agressões tenha continuado com o marido, em vez de se proteger a si e aos filhos. E mostrou estranheza pelo facto de, apesar de dizer que sentia pavor do marido em certas alturas, se ter mudado após a separação para uma casa próxima da dele. Ainda hoje moram "apenas separados por escassas centenas de metros", assinalou, apesar de ser, além de determinada, uma pessoa auto-suficiente do ponto de vista financeiro.
A juíza estranhou também as numerosas entrevistas que Bárbara Guimarães deu em que descrevia a vida feliz que tinha com o marido e os filhos entre 2011 e 2013, "período temporal em que, segundo as suas actuais declarações, já estaria a ser sujeita a agressões psicológicas e físicas". Quando as analisou, Joana Ferrer não teve dúvidas: "Tratou-se de declarações espontâneas, dotadas de genuinidade e verosimilhança, nas quais não são perceptíveis - particularmente nas registadas em vídeo - quaisquer vestígios de simulação".
Quanto à condenação por difamação, deve-se ao facto de Carrilho ter repetidamente exposto a ex-mulher, falando em público do seu alegado problema com alcoolismo e de outros aspectos da sua vida privada. Ainda assim, foi apenas condenado por dois dos vários crimes (cerca de 20) de difamação de que estava acusado. Vai ter de pagar 3900 euros mais taxas de justiça.
A juíza justificou aquilo que qualificou como alguns excessos de linguagem do ex-ministro com o sofrimento provocado pelo facto de ele ter estado privado pela mulher durante três semanas de ver os filhos, após a separação. O arguido dizia por exemplo que a ex-mulher ingeria “dezenas de comprimidos por dia”. Neste particular, o tribunal considerou da maior relevância o depoimento em tribunal de um psiquiatra que o tratou na altura, colega de curso do irmão, e que lhe diagnosticou uma depressão profunda. Quando chegou à primeira consulta, recordou, Carrilho não só já tinha pensado em matar-se como "já tinha ideia de como iria executar o suicídio".
O Ministério Público também chegou a apresentar em Fevereiro de 2016 um requerimento de recusa da juíza por considerar existir “motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da magistrada judicial”. E a própria juíza Joana Ferrer pediu depois o seu afastamento do processo que opõe o antigo casal. Mas a magistrada foi mantida no caso pelo Tribunal da Relação de Lisboa. A polémica foi provocada pelas expressões usadas na primeira sessão do julgamento, a 12 de Fevereiro. Nomeadamente o facto de a juíza, que tratou sempre a apresentadora por “Bárbara” e Carrilho por “professor”, ter censurado a queixosa, que alegara medo e vergonha para justificar o facto de não ter feito queixa do marido mais cedo. “Causa-me alguma impressão a atitude de algumas mulheres”, declarou a magistrada, lembrando que são precisas provas para condenar alguém.
Condenado noutros processos
Nesta sexta-feira, o ex-ministro da Cultura foi absolvido de crimes que, segundo a acusação, teriam acontecido durante os mais de dez anos de casamento. A acusação alegara episódios em que Bárbara Guimarães fora pontapeada, empurrada e humilhada pelo marido, que teria chegado a dizer que ia acabar com a vida dela e com a dos filhos e suicidar-se de seguida.
Decisão diferente tiveram outros processos. No final de Outubro, o ex-governante foi condenado a quatro anos e meio de pena suspensa por actos de violência doméstica cometidos já após a separação do casal.
O professor universitário de 66 anos, que já no ano passado tinha sido multado em 1800 euros noutro processo judicial, por ameaças de morte a uma amiga da apresentadora televisiva, sempre negou tudo. Também foi condenado em 2015 por difamação a outra multa de 31.400 euros, por ter dito em entrevistas Bárbara Guimarães tinha sofrido abusos sexuais do padrasto.
O sofrimento dos filhos
No longo depoimento que fez em tribunal para se defender em Fevereiro passado, o antigo ministro socialista negou a violência doméstica: “Nunca lhe toquei. Mas amparei-a muitas vezes quando não se segurava nas pernas”, declarou, numa referência aos alegados problemas com o álcool da ex-mulher, que descrevia como alguém que “chocava com portas fechadas”.
Durante a leitura da sua decisão, nesta sexta-feira à tarde, Joana Ferrer pediu ao casal para se centrar no sofrimento dos filhos: "Este tribunal não consegue alhear-se e apela, se tal lhe for permitido, em nome das duas crianças que sofrem no meio de todo este conflito que não dá sinais de querer abrandar. Descentrem-se um pouco de vós, adultos, e atentem no sofrimento destas crianças".
A juíza Joana Ferrer desvalorizou os antecedentes criminais de Manuel Maria Carrilho. por terem sucedido "apenas no contexto" do conflito com Bárbara Guimarães e contra "um grupo de pessoas circunscrito".
Ao mesmo tempo, deixou um recado para todos aqueles que esperavam que inculpasse o arguido, que descreveu como "uma pessoa perfeitamente integrada na sociedade, muito querido dos seus alunos e com obra reconhecida": "Os tribunais de hoje não são os tribunais plenários de má memória, onde as pessoas entravam já condenadas".