Contas da Raríssimas tiveram o aval do ministro Vieira da Silva

O ex-Secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, diz-se vítima de “devassa da vida privada” e admite processar TVI. Paula Brito e Costa, afinal, ainda não se demitiu da Raríssimas.

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Vieira da Silva diz estar de “consciência tranquila” Miguel Manso

Depois da demissão do secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, que pondera agora processar a TVI por "devassa da vida privada", a polémica em torno da Raríssimas, cuja presidente está a ser investigada pelo Ministério Público por suspeitas de uso dos dinheiros da instituição para proveito pessoal, ameaça também chamuscar o ministro que tutela as instituições particulares de solidariedade social, Vieira da Silva. Na véspera de tomar posse como ministro do Trabalho e da Segurança Social, no dia 25 de Novembro de 2015, Vieira da Silva participou na reunião que aprovou as contas que estão agora a ser investigadas, conforme adiantou esta quarta-feira o Expresso.

Apesar das perguntas do PÚBLICO, o ministro recusou esclarecer em que reuniões da Raríssimas participou, enquanto vice-presidente da assembleia-geral da instituição, cargo que ocupou entre 2013 e 2015, sem receber qualquer remuneração. Disse-se apenas “de consciência tranquila” face ao caso, quer enquanto governante quer enquanto antigo membro da assembleia-geral da instituição.

“As contas da Raríssimas eram aprovadas na assembleia-geral e, desse ponto de vista, tinha conhecimento [das contas] mas nunca tive conhecimento, nunca foi identificado, nem apresentado por ninguém nessas assembleias-gerais qualquer dúvida sobre essas mesmas contas”, garantiu.  

Nestas contas para 2016, estavam previstos mais de 100 mil euros em deslocações e estadas, bem como 120 mil euros para pagamento de honorários de serviços especializados, além dos 1,6 milhões previstos em gastos com o pessoal.

São as mesmas contas que, como ministro, Vieira da Silva mandou agora auditar, depois de a TVI ter revelado que a fundadora e presidente da instituição, Paula Brito e Costa, auferia um salário de três mil euros. A este valor, muito superior ao tecto máximo de 1685 euros previstos na lei para os dirigentes de uma IPSS, acresciam ajudas de custo e despesas de representação que elevavam aquele montante para o dobro.

Sobre este assunto, porém, Vieira da Silva recusou acrescentar uma vírgula que fosse. Antes, confrontado com o facto de a Raríssimas ostentar na sua página do Facebook, fotografias suas num centro de doenças raras na Suécia, que visitou “acompanhado pela presidente da Raríssimas, Paula Brito e Costa”, conforme diz o post, explicara já que a visita, no passado dia 16 de Novembro, realizou-se a convite daquele centro de referência sueco, o Agrenska. Trata-se do mesmo centro por onde passara, no ano passado, a deputada do PS, Sónia Fertuzinhos, numa viagem cujas despesas foram adiantadas pela Raríssimas. Neste caso, Vieira da Silva garante que a viagem foi custeada pelo seu gabinete, até porque a deslocação à Suécia visava a sua participação numa cimeira europeia.

Associação não tem contas publicadas na Net

A Raríssimas não tem, como devia, as suas contas publicitadas no site da instituição. A lei obriga as IPSS a apresentarem as contas de cada exercício “ao órgão competente” para verificação da sua legalidade. Ao pedido do PÚBLICO para aceder às contas sob escrutínio, o gabinete de Vieira da Silva prometeu uma resposta em tempo oportuno.

À medida que os dias passam, o caso Raríssimas assume, entretanto contornos cada vez mais intrincados e até novelescos. O secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, que pediu a demissão na sequência da reportagem da TVI que lhe apontou uma relação pessoal com Paula Brito e Costa, de cuja instituição recebeu cerca de 63 mil euros, enquanto consultor, explicou esta quarta-feira que a decisão de se demitir derivou da “devassa da vida privada” de que foi vítima e, ao PÚBLICO, diz que pondera processar aquele canal.

Por seu turno, a presidente da Raríssimas, que anunciou publicamente a intenção de se afastar, continuava esta quarta-feira, afinal, na presidência da instituição. “Aguardo a formalização da demissão”, confirmou ao PÚBLICO, ao final da tarde, o presidente da assembleia-geral, o advogado Paulo Olavo Cunha.

O marido e o filho de Paula Brito e Cunha que são coordenador de armazém e administrativo na Raríssimas, respectivamente, apresentaram-se esta quarta-feira ao trabalho. “Terão que ser extrapoladas as consequências e espero que para bem da instituição se encontre a melhor solução”, disse Nuno Branco, o director da Casa dos Marcos, principal centro da Raríssimas, na Moita, quando os jornalistas lhe perguntaram se os familiares da presidente continuariam ao serviço da instituição.

A própria direcção da Casa dos Marcos estava esta quarta-feira também a ponderar demitir-se. “É o mais provável”, acrescentou Branco. É apontado como braço-direito de Paula Brito e Costa mas esta quarta-feira demarcou-se do seu “estilo de liderança”.

De acordo com o decreto-lei n.º 172-A/2014, que define os estatutos das IPSS, o ministro Vieira da Silva pode pedir judicialmente a destituição dos órgãos de uma IPSS face a irregularidades na mesma. Ao PÚBLICO, o gabinete de Vieira da Silva não descartou essa possibilidade. Sublinhou, porém, que tal só poderá acontecer depois de uma auditoria ou acção de fiscalização. A inspecção ordenada há dias por Vieira da Silva levou já esta quarta-feira dois inspectores do Ministério do Trabalho à Casa dos Marcos, numa acção que vem, no fundo, reforçar a investigação iniciada a 31 de Julho pelo Instituto de Segurança Social, na sequência da primeira queixa que terá chegado àquele serviço apontando irregularidades nas contas da Raríssimas.

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