“Uma das deficiências do Estado português é na fiscalização”
As remodelações não têm uma época do ano — “muito menos no Inverno”, diz Carlos César, que só vê casos “periféricos” a afectar o Governo. “Mas gostaríamos que o secretário de Estado 'x' ou 'y' não tivessem incidentes que manchassem este percurso”, admite.
Manuel Delgado tinha de sair — e podia ter saído mais cedo, diz o presidente do PS, Carlos César, na entrevista PÚBLICO/Renascença. Agora, é preciso disciplinar as remunerações das IPSS.
A semana tem sido dominada pelo caso Raríssimas. O secretário de Estado Manuel Delgado disse, antes de sair do Governo, que tinha colocado o lugar à disposição — mas que o ministro o segurou. Estes casos não são comunicados logo ao primeiro-ministro?
Desconheço como o Governo funciona no seu detalhe. O que me parece relevante é que o secretário de Estado apresentou a demissão, fê-lo certamente na consciência de que a sua conduta tinha sido indevida e que não fazia sentido responsabilizar o Governo. Tomou a decisão que devia ter tomado, desde logo porque era seguramente o único a conhecer todos os detalhes em relação à sua proximidade a esse problema.
Acha que devia ter apresentado a demissão logo quando o caso surgiu, no sábado? Não ter esperado por novas revelações?
Se encontrou razões para se demitir 24 horas depois, certamente teriam sido as mesmas razões que teria encontrado 24 horas antes.
São muitas já as remodelações provocadas por secretários de Estado. Há aqui um problema de escolhas?
Creio que estamos a tomar uma atenção excessiva a problemas que, pela sua natureza, são periféricos da actividade governativa.
Mas casos como estes desviam a atenção do essencial...
A nossa obrigação é estarmos mais atentos ao essencial. Agora, as pessoas cometem erros, têm omissões ou tomam decisões que são incorrectas ou não têm os resultados esperados. Isso acontece com os governantes, como acontece com qualquer outra pessoa.
Os exemplos positivos que deu são da área económica e financeira. É na questão política que o Governo tem revelado mais fragilidades?
Não creio que se possa falar assim. Há uma atenção mediática para aspectos que são laterais à actividade governativa. Se exceptuarmos as questões infelizes envolvendo os incêndios e as suas vítimas, todos os outros casos são de gestão corrente que tiveram menor sucesso, ou que tiveram explicações indevidas — a questão do Infarmed ou mesmo esta. Não tipificam nada de essencial.
Esta pode tipificar uma questão essencial, na fiscalização do uso de dinheiros públicos no sector social. E pode afectar a imagem do ministro Vieira da Silva.
Não creio, não estou de acordo com isso. Temos em Portugal milhares de IPSS, misericórdias, etc., que tornam Portugal um bom exemplo na assistência social e integração. Sem essas instituições não era possível o Estado ter o bom desempenho que tem nestas áreas.
O caso Raríssimas não muda nada de estrutural, no que diz respeito à capacidade fiscalizadora do Estado?
Quanto a isso, quero fazer uma reserva: uma das deficiências do Estado português é na área inspectiva e fiscalizadora — e não só no que toca à rede de solidariedade social. Esta situação que aconteceu com a Raríssimas não será caso único, terá outros contornos noutras instituições, mas é importante que esta actividade inspectiva seja mais abrangente de modo a que estejamos mais descansados. Repare: as IPSS devem ser predominantemente dirigidas por pessoas que nelas se envolvam numa perspectiva de voluntariado, mas há instituições que implicam afectação permanente dos seus dirigentes e uma remuneração.
Até pode ser conveniente uma profissionalização...
O que é fundamental é que haja uma disciplina quanto às remunerações que são aplicáveis nesses casos, que haja bom senso e proporcionalidade. E isso manifestamente não foi considerado neste caso.
Falou-nos de casos que apresentou como "laterais". Há uma semana, o PM criticou o ministro da Saúde na AR (por causa do caso Infarmed) e o ministro do Superior foi literalmente desautorizado por Mário Centeno. Ministros nestas condições têm força política para continuar?
Eu creio que sim, quer num caso quer noutro. São ministros com grande peso no Governo e com grande obra feita. Isso não dispensa que no discurso político ou de comunicação, numa ou noutra circunstância, o façam com menor qualidade. Mas a coesão dentro do Governo é muito grande.
Mas parece a reboque dos acontecimentos. Era tempo de António Costa fazer uma remodelação a sério?
As remodelações não têm uma época do ano, não é? E muito menos no Inverno. Se há uma época do ano para uma renovação, pelo seu simbolismo, é a Primavera — um tempo de renovar, de retoma, época da luz e de esperança. O primeiro-ministro trabalha semanalmente com os seus ministros e secretários de Estado, conhece as qualidades e fragilidades de cada um. E deve fazer essa avaliação em permanência. As remodelações não se fazem por pacote nem com contratos a prazo.
Não falta um número dois a este Governo?
Não creio que isso seja absolutamente necessário, ser visto dessa forma. O Governo tem uma liderança política indiscutível e sólida, cada ministro faz o que lhe compete. E temos que ter em consideração os resultados da actividade governativa, não a espuma dos dias — não uma falha comunicacional aqui ou ali. O que perguntamos aos portugueses é se estão satisfeitos ou não com o desempenho do Governo em determinadas áreas. A verdade é que é bom nas áreas económicas e sociais — e é isso que interessa aos portugueses. Evidentemente que gostaríamos que o secretário de Estado 'x' ou 'y' não tivessem incidentes que manchassem este percurso, mas, no essencial, este Governo tem um balanço muito positivo. Aliás, os estudos de opinião dão conta deste acréscimo de confiança dos portugueses.