Raríssimas recebeu da Segurança Social cerca de 2,7 milhões de euros
Ministro ordenou uma “inspecção global urgente” à instituição, que também está sob investigação do Ministério Público. Confederação das Instituições de Solidariedade diz que é ilegal um dirigente de uma IPSS ter um salário superior a 1685 euros.
A Raríssimas recebeu mais de 2,7 milhões de euros nos últimos cinco anos só no âmbito do Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS). Em 2017, esta entidade transferiu para aquela Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) cerca de 606 mil euros, que se repartiram entre os 117 mil pagos no âmbito da rede nacional de cuidados continuados e os cerca de 489 mil inscritos nos acordos de cooperação que mantinham a funcionar as diferentes valências da IPSS.
Entre 2013 e 2017, a contribuição pública para manter um centro de actividades ocupacionais, um lar residencial e uma residência autónoma ultrapassou os 1,9 milhões de euros. Mas a este montante tem ainda que se somar 420 mil euros destinados a ajudar a financiar a construção da Casa dos Marcos, em Lisboa, ao abrigo do programa PARES — Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais. E, conforme confirmou ontem o ministro Vieira da Silva, que foi vice-presidente da assembleia geral da instituição, entre 2013 e 2015, a instituição presidida por Paula Brito e Costa beneficiou ainda de 325,7 mil euros provenientes do Fundo de Socorro Social. Neste caso destinados a “colmatar necessidades urgentes da instituição”, segundo fonte do MTSS.
Tudo somado, entre 2013 e 2017, fixou-se em 2.770.275 euros a contribuição da Segurança Social. A estes valores terão, no entanto, de se somar pagamentos de outros ministérios, nomeadamente da Saúde, cujos montantes não foi possível apurar com exactidão até ao fecho desta edição.
As verbas foram pagas a uma instituição cuja presidente passou de heroína a personagem tóxica num par de horas. Tudo começou com uma reportagem na TVI, no sábado, que põe em causa a gestão de Paula Brito e Costa.
Petição com mais de 7000 assinaturas
Enquanto na Internet chegaram rapidamente aos milhares as assinaturas na petição que logo surgiu a pedir a demissão da presidente da Raríssimas (mais de 7000 assinaturas, ao início da noite), o ministro Vieira da Silva viu-se obrigado a reagir, em conferência de imprensa, às acusações de que fora avisado para a gestão danosa e nada fizera.
“Nunca recebi nenhuma indicação sobre actos de gestão danosa nessa instituição”, assegurou, aproveitando para explicar que ocupou o cargo não executivo de vice-presidente da assembleia geral da Raríssimas entre 2013 e 2015, antes de integrar o Governo, e que o fez apenas por “compromisso cívico” e sem receber qualquer contrapartida financeira.
Ao mesmo tempo que a Procuradoria-Geral da República confirmava que está a correr no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa um inquérito à instituição, aberto em finais de Novembro na sequência de uma denúncia anónima, Vieira da Silva anunciou que ordenou uma inspecção global urgente ao funcionamento da Raríssimas. Em causa estarão os crimes de burla, falsificação de documentos, peculato e gestão danosa.
Tendo em conta “o justificado alarme” provocado pela divulgação destas alegadas irregularidades, uma equipa dedicada estará responsável por, nos próximos dias, avaliar todas as dimensões da instituição. Vieira da Silva garantiu também que o Governo está empenhado em apurar todos os factos para depois, com “determinação absoluta”, “retirar todas as ilações necessárias”.
De acordo com a TVI, a presidente da Raríssimas terá usado o dinheiro na compra de vestidos e noutros gastos pessoais. Ao salário de três mil euros mensais, terá somado 1300 euros em ajudas de custos e, segundo os ex-tesoureiros da instituição, subscrevera recentemente um Plano de Poupança Reforma no valor de cerca de 800 euros mensais pagos pela Raríssimas. Dos cofres da instituição sairiam ainda 900 euros por mês para o automóvel de gama alta em que se deslocava.
Uma viagem ao Brasil
Depois da reportagem de sábado, a TVI apontou ontem outras irregularidades a Paula Brito e Costa que terá feito, quando dirigente da Federação das Doenças Raras (Fedra), uma viagem ao Brasil, acompanhada do marido, em 2013, imputando a respectiva despesa à federação, bem como as referentes à frequência de um spa de luxo, no valor de quase 400 euros.
Quando a reportagem televisiva assumiu contornos de escândalo nacional, com a Raríssimas a fechar os respectivos site e página do Facebook, ao mesmo tempo que alegava que as acusações são “insidiosas” e “descontextualizadas”, o deputado social-democrata Ricardo Baptista Leite veio argumentar que deixou de ter condições para aceitar o convite para ser vice-presidente da instituição.
O secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, também veio assegurar que, tendo sido consultor da instituição, nunca participou na sua gestão. E mesmo Marcelo Rebelo de Sousa reiterou a necessidade de uma “investigação exaustiva”.
“É preciso ver se de facto é verdade”, reagiu, por seu turno, o presidente da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade, Lino Maia, para acrescentar que, a confirmarem-se as suspeitas, o Governo “tem mecanismos para salvaguardar a instituição”.
Um dos caminhos para minimizar os danos aos utentes poderá passar por destituir os órgãos sociais e nomear uma comissão administrativa, admitiu Lino Maia. E explicou que é ilegal um dirigente de uma IPSS auferir um salário que ultrapasse os 1685 euros. “É o máximo que a lei permite, sendo que o normal é os dirigentes trabalharem em regime de voluntariado”, acrescentou, lamentando que práticas como as noticiadas manchem um sector que reúne mais de 2900 instituições. com Joana Gorjão Henriques