Partido no poder faz duras acusações contra Mugabe para justificar impeachment
Depois de se terem esgotado as vias para uma saída voluntária, Parlamento inicia esta terça-feira processo para afastar Presidente.
O Parlamento do Zimbabwe prepara-se para um dia histórico. Esta terça-feira, os deputados das duas câmaras vão iniciar os procedimentos para que seja aberto um processo de destituição do único Presidente que o país conheceu desde a independência.
“Vamos tomar o caminho do impeachment”, confirmou o líder da bancada parlamentar da União Nacional Africana do Zimbabwe-Frente Nacional (ZANU-PF), Lovemore Matuke, que detém uma larga maioria tanto na Assembleia Nacional como no Senado. Ao meio-dia de segunda-feira (menos duas horas em Portugal continental), tinha expirado o prazo dado na véspera pelo partido governamental para que Robert Mugabe apresentasse a demissão.
Poucos esperavam que o Presidente acedesse à vontade partilhada por praticamente todo o establishment político e militar do país, mas a incerteza nunca foi totalmente afastada. Durante a manhã, a CNN citou fontes próximas das negociações entre Mugabe e os militares que diziam que a carta de demissão estava redigida e que incluía garantias de imunidade para o líder e para a mulher, Grace. Porém, nada se concretizou e as engrenagens políticas entraram em funcionamento acelerado.
A moção que será apresentada esta terça-feira pelos deputados da ZANU-PF para justificar o pedido de destituição acusa Mugabe de ser “uma fonte de instabilidade”, de “desrespeitar o Estado de direito” e responsabiliza-o pelo “afundamento económico sem precedentes” que o Zimbabwe sofreu nos últimos 15 anos, de acordo com um esboço consultado pela Reuters.
O objectivo do Exército e da ZANU-PF foi sempre o de permitir a Robert Mugabe uma saída do poder por sua iniciativa – o impeachment era visto como um último recurso. Mas o ditador de 93 anos, que passou a última semana em prisão domiciliária, recusou todas as possibilidades que lhe foram dadas para evitar um abandono forçado. Para os promotores da sua queda era também importante, sobretudo do ponto de vista internacional, que a sua acção não fosse vista como um “golpe de Estado”.
A possibilidade de um impeachment pairava já nos últimos dias sobre a casa do “telhado azul”, como é conhecida a mansão presidencial em Harare onde Mugabe e a mulher estão detidos. Mas o discurso de domingo à noite do Presidente foi a demonstração de que esta era a saída inevitável. A partir da mansão presidencial, ao lado das chefias militares, Mugabe reconheceu as “preocupações” que criaram a actual crise política, mas recusou falar em demissão nem fez qualquer concessão. A certa altura, Mugabe disse mesmo que pretende presidir o congresso do ZANU-PF, em Dezembro, apesar de horas antes o comité central do partido ter aprovado de forma unânime a sua saída.
“Estou perplexo. Não apenas eu, mas toda a nação”, dizia à Reuters o líder oposicionista Morgan Tsvangirai, momentos depois de Mugabe ter terminado de falar. Esta segunda-feira, acumularam-se rumores e teorias da conspiração em torno do discurso desconcertante de Mugabe. O líder da associação de veteranos da “guerra da libertação”, Chris Mutsvangwa, acusou o Presidente de ter trocado os papéis durante a sua intervenção e apelou à continuação dos protestos de rua.
As razões para que Mugabe não tenha apresentado a demissão na noite de domingo foram justificadas por duas fontes políticas que disseram à Reuters que se tratou de uma decisão dos próprios militares. “Teria dado um aspecto extremamente negativo se ele se tivesse demitido à frente daqueles generais”, afirmou uma das fontes. Outra teoria sugere que o grande objectivo da intervenção de Mugabe foi apenas a de “higienizar” a operação militar, que o próprio Presidente recusou qualificar como um golpe.