Na Internet “nunca é possível dar 100% de garantia”

O presidente do Google para a Europa admite responsabilidades no bom funcionamento da Internet. Mas diz que não é possível assegurar que um surto de notícias falsas não volta a acontecer.

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Matt Brtittin esteve na Web Summit Ricardo Lopes

A relação do Google com a Europa é complicada. A Comissão Europeia avançou com processos de concorrência, um dos quais já culminou numa multa recorde. Os media queixam-se de estarem a perder negócio para a multinacional americana. As autoridades parecem mais preocupadas com questões de privacidade do que do outro lado do Altântico. E manobras fiscais suscitaram desconfiança face às grandes empresas tecnológicas.

Matt Brittin acompanhou tudo isto. Está no Google desde 2007 e é presidente para a Europa, Médio Oriente e África. Antes disso trabalhava no sector dos jornais (e, ainda antes, foi remador olímpico). Numa conversa com o PÚBLICO na Web Summit, Brittin assegurou que o compromisso da multinacional com a Europa é de longo prazo e que o Brexit não será um problema. E disse que o Google está a apertar a luta contra as notícias falsas, mas que este é um trabalho que “nunca vai estar concluído”.

Têm surgido na Europa questões a afectar a reputação do Google: impostos, privacidade, regulação. Que imagem acha que as pessoas têm das grandes empresas de tecnologia e do Google em particular?
O ritmo da mudança na tecnologia tem sido muito rápido. E as pessoas têm perguntas sobre como devemos usar a tecnologia, como funciona. Temos de assumir a nossa responsabilidade e tentar responder a essas perguntas. Diria que é maioritariamente positiva. As nossas aplicações são populares, as nossas ferramentas são muito populares entre as pequenas empresas.

Acredita que a maioria dos utilizadores de Internet tem uma ideia clara do alcance e do poder do Google?
A grande maioria o contacto que tem com o Google é usar o motor de busca. A privacidade e a segurança são assuntos importantes para as pessoas. Temos a funcionalidade “a minha conta”, onde as pessoas podem mudar a relação que têm com o Google: ver que serviços usam, desligar a personalização da publicidade. Temos dezenas de milhões de pessoas na Europa a usar isto. É um exemplo de como ajudamos os utilizadores a comprender tecnologia complicada, e lhes damos transparência e controlo.

Há pressão pública e política para os algoritmos serem mais éticos e mais transparentes, para que as pessoas possam saber mais sobre tecnologias que têm um impacto muito grande nas suas vidas. Podemos esperar alguma dessa transparência por parte do Google?
Vemos aqui na Web Summit políticos de topo. Vi dois comissários europeus. Aprecio que os políticos estejam a interagir com o sector da tecnologia. E o sector da tecnologia não significa apenas o Google e a Apple. São também as startups. É importante que as pessoas percebam como as coisas funcionam. O desafio que coloco em resposta é: o que é nos poriam a fazer de forma diferente no que diz respeito ao funcionamento dos nossos algoritmos? Há coisas que devem estar sempre mais acima [nas pesquisas] ou sempre mais abaixo?

A minha pergunta não era sobre alterações aos algoritmos, mas sobre a disponibilidade para os tornarem mais transparentes e aumentar o conhecimento das pessoas sobre eles.
É possível ver o resultado dos nossos algortimos de cada vez que se faz uma pesquisa. Para aqueles que querem ser informados, tentamos disponibilizar recursos, para que as pessoas possam perceber aquilo que estamos a tentar fazer. A explicação mais simples é que estamos a tentar dar as melhores respostas possíveis. Se não, as pessoas vão passar mais tempo a pesquisar noutro lado.

Acha que um utilizador que não seja um conhecedor da tecnologia tem noção de que, quando faz uma pesquisa, há uma série de serviços ligados uns aos outros? De que tem uma conta do Google que é também a do Gmail, de que o seu comportamento online é seguido para lhe mostrar publicidade?
Há pessoas que não pensam nisso de todo. Mas há dezenas de milhões de cidadãos europeus que nos últimos anos foram à funcionalidade “a minha conta” para verem o que se passava. O que queremos é que, para quem é curioso, seja fácil encontrar essa informação. Mas não podemos forçar cada utilizador a ver um vídeo de 30 minutos sobre o funcionamento do Google. Cabe ao utilizador ter curiosidade sobre isso.

Durante a investigação da Comissão Europeia ao Google Shopping, o Google basicamente disse que a Comissão não sabia como funcionavam as compras online. Em geral, o Google acha que a Comissão não tem as ferramentas para lidar com este tipo de processos?
No caso do Shopping respondemos às perguntas e tentámos perceber as preocupações ao longo de oito anos. Agora eles disseram-nos muito claramente o que querem e nas últimas semanas pusemos em prática remédios de acordo com as instruções deles. Também recorremos da decisão. A um nível mais básico, discordamos da Comissão por ter excluído a Amazon e o eBay da descrição da forma como as pessoas fazem compras. O que eu quero que continuemos a fazer na Europa é responder com respeito a perguntas que nos sejam feitas.

Mas quando responderam à Comissão, a linguagem foi dura para este tipo de processos. Parecia haver uma crítica às capacidades da Comissão.
Teria de me dar uma citação específica para comentar. Mas quando discordamos queremos ser claros e directos. Nós estamos aqui [na Europa] para o longo prazo. Temos 14 mil funcionários na Europa, múltiplos centros de dados, os nossos serviços são usados por milhões de cidadãos na Europa.

O Brexit vai afectar as vossas operações na Europa?
Olhamos para as grandes tendências. O que vemos é a população da Internet a duplicar e toda a gente a estar conectada com smartphones, o que é muito positivo em termos de dar poder e informação às pessoas, mas também no que diz respeito às empresas europeias poderem ligar-se ao mundo todo. O Reino Unido é o maior mercado do Google fora dos EUA. A longo prazo, está bem posicionado: tem competências digitais, a Deep Mind [uma empresa do grupo do Google] está lá, a liderar na inteligência artificial e aprendizagem automática, e muito do talento nestas áreas está a sair de universidades britânicas. O Google tem quatro mil pessoas no Reino Unido, a nossa visão de longo prazo é que queremos investir lá. É claro que a curto prazo há turbulência e isso não é bom para a economia, nem para o dia-a-dia das pessoas.

O trabalho da Comissão a implementar um mercado único digital é muito importante para ajudar as empresas a crescer. E não apenas empresas de tecnologia. A ambição tem sido um problema na Europa. Estive com 15 empreendedores portugueses. O talento aqui é incrível, o acesso a financiamento não é um problema. Mas a ambição e a escala são um problema. São 27 estados-membros e 27 conjuntos de regras diferentes. É uma pena que o Reino Unido não seja parte deste mercado único.

Trabalhou no sector dos media e está no Google há muitos anos. Como é que tem evoluído a relação com os media ?
Trabalhava no maior grupo de jornais do Reino Unido, por isso estou muito consciente das grandes mudanças que afectam os editores de jornais. Em primeiro lugar, as pessoas têm, nos seus bolsos, mais escolhas de conteúdo do que alguma vez tiveram. A concorrência na Internet é tudo aquilo em que as pessoas podem passar tempo. Em segundo lugar, os anunciantes têm mais escolhas e há mais concorrência neste mercado do que alguma vez houve.

Em termos de publicidade, vocês e o Facebook são a concorrência.
Essa questão surge muitas vezes. Quero ser claro: a maioria dos jornais consegue a maioria das suas receitas publicitárias com um número relativamente pequeno de anunciantes. E na verdade há muito pouca sobreposição entre esses e os milhões de anunciantes que o Google tem. Uma das razões porque o Google pagou 11 mil milhões de dólares em 2016 a sites é porque conseguimos trazer milhões de anunciantes com os quais vocês não têm uma relação. Nós não podemos mudar o modelo de negócio dos jornais.

Mas estão a lançar ferramentas focadas em assinaturas e pagamentos. Isso não é dizer aos jornais: “Vocês já têm toda a publicidade que vão ter, que não é suficiente, por isso tentem outra coisa”?
Na Internet, os jornais têm dificuldades em ganhar assinantes. E as receitas de publicidade online, embora sejam relevantes, não têm sido tão significativas como a publicidade offline. Com o Google News Initiative [um programa de apoio à imprensa de que o PÚBLICO é beneficiário] sentámo-nos com os editores na Europa e tentámos encontrar duas ou três coisas que conseguissem fazer a diferença. Não são apenas palavras simpáticas da nossa parte. Um dos desafios nos media é que, com o modelo de negócio ameaçado, não estão a fazer experimentação suficiente.

Acredita que o jornalismo vai encontrar um modelo de negócio sustentável no curto prazo?
Dizer um modelo de negócio sustentável no curto prazo não faz grande sentido. Mas acredito que vai existir conteúdo de qualidade que vai ser sustentável e lucrativo ao longo do tempo. Há uma enorme procura por conteúdo jornalístico. Acredito que, por causa desta procura, vão aparecer modelos de subscrição e de pagamento. Não acho que teremos necessariamente as mesmas empresas daqui a dez anos, mas acho que o modelo de negócio vai evoluir e vamos ter jornalismo de qualidade.

É importante pôr isto no contexto das notícias falsas, que é um termo que descreve muitas coisas, algumas das quais existem desde sempre. O que é novo é a possibilidade de alguém se fazer passar por outros e chegar a muitas pessoas. Pensemos naquela pequena cidade da Macedónia que tinha sites [sobretudo pró-Donald Trump] que se faziam passar por sites americanos. Uma das coisas em que trabalhamos no Google é neste conteúdo, estamos a lutar contra isto há muito tempo.

Ainda assim, os sites da Macedónia aconteceram porque estavam ter lucro com a publicidade do Google.
Certo. Uma das coisas que se podem fazer para travar isto é acabar com os incentivos económicos. Nós cortámos isso muito depressa quando vimos que estava a acontecer. Só aceitamos cerca de 12% das candidaturas ao AdSense [o programa que permite aos sites terem anúncios do Google]. Temos regras muito apertadas.

Essas regras apertadas surgiram depois dos sites de notícias falsas? Ou já existiam antes e mesmo assim esses sites apareceram?
Sempre lutámos contra spammers. Mas nos últimos anos apertámos as regras significativamente. Tirámos sites do AdSense. Também retirámos julgo que 1,7 mil milhões de anúncios problemáticos.

Podem garantir que este tipo de coisas não acontece outra vez, pelo menos não nesta escala?
É o funcionamento da Web: nunca é possível dar 100% de garantia. Acho que o nosso trabalho nunca vai estar concluído. Não é algo que possamos fazer sozinhos. Trabalhamos com as autoridades, com ONG e com peritos. É parte da nossa responsabilidade garantir que quem age mal não estraga a Internet a todos os outros.

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