Tribunais portugueses são na UE os mais entupidos com cobranças de dívidas
Acções de cobrança de dívidas continuam a encher os tribunais nacionais. Justiça melhorou nos últimos anos, mas ainda há mais de um milhão de casos pendentes.
Portugal apresenta a maior taxa de congestão de processos cíveis, cuja esmagadora maioria são casos de cobranças de dívidas, da União Europeia (UE). Era assim em 2015 e foi assim de forma quase ininterrupta desde 2008. Desde então apenas 2014 foi excepção. Este indicador permite traduzir numa percentagem a relação entre o número de processos pendentes no início de um ano e o número de processos findos nesse mesmo ano.
Segundo os dados compilados pelo Pordata Europa, o país apresentava, em 2015, (os dados mais recentes) uma taxa de congestão nos processos cíveis de 214%. O entupimento dos tribunais portugueses fica muito à frente do país que ocupa um segundo lugar deste ranking, a Grécia, que apresenta uma taxa de congestão que é menos de metade da portuguesa, ou seja, 105%.
Esta realidade é evidente quando se analisa os dados compilados pela base de dados Pordata Europa, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, disponível na Internet, que permite comparar as estatísticas nacionais com a de diversos países da União Europeia.
Este portal passa a partir de hoje a contar com 40 quadros estatísticos, organizados em quatro grandes áreas (crimes, processos, recursos humanos e prisões), uma iniciativa que pretende assinalar o Dia Europeu da Justiça Civil. Os quadros são feitos com números do Eurostat, a entidade que recolhe e divulga os dados estatísticos dos 28 países da União Europeia.
“A Justiça é um dos pilares fundamentais das sociedades democráticas. Desta forma, a entrada do novo tema Justiça representa mais um contributo para melhor conhecer Portugal e a sociedade em que vivemos, com base em dados para todos os países da União Europeia”, justifica a fundação, numa apresentação sobre o trabalho divulgado hoje.
1,1 milhões de processos pendentes
Tanto a Justiça criminal como a cível - que incluiu as acções de cobrança de dívidas -, a principal parcela dos processos que entram nos tribunais, tem registado uma tendência de melhoria ao longo dos últimos anos. No entanto, ainda existiam 1.136.292 processos pendentes nos tribunais, segundo as últimas estatísticas oficais da Justiça, referentes a 31 de Dezembro de 2016. Mesmo assim, muito menos que os mais de 1,6 milhões de processos que estavam a correr nos tribunais quatro anos antes.
O problema da elevada pendência de casos nos tribunais portugueses, na sua maioria acções de cobrança de dívidas, não é de agora. Mas Portugal não tem sabido resolver o problema de forma sustentável. As estatísticas apenas mostram uma melhoria em 2013 e 2014, que se reflecte ainda em alguns indicadores do ano seguinte.
Parece, por isso, uma ironia que em 2015 Portugal apresente a melhor taxa de resolução de processos cíveis da Europa a 28. Ou talvez não seja ironia, mas apenas o resultado de uma medida levada a cabo pela anterior ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que permitiu encerrar de forma quase administrativa centenas de milhares de acções de cobrança de dívidas que não tinham grandes hipótese de sucesso.
Isso mesmo reconhece a advogada Mariana França Gouveia, advogada que faz parte da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Essa taxa de resolução – que mede a relação entre o número de processos findos e o número de processos entrados nesse mesmo ano – foi em 2015, nos tribunais portugueses, de 124%.
Em segundo lugar neste indicador aparece a Eslovénia com 110%, seguido pela Roménia (109%) e a Letónia (105%). No ano anterior esta taxa ficou-se pelos 104%, tendo registado o máximo dos últimos oito anos em 2013, ano em que foi de quase 129%. Antes ficou sempre abaixo dos 100%, o que significa que ano após ano os tribunais não conseguiram resolver os processos cíveis que entraram nesse ano, permitindo que os casos se fossem avolumando.
Processos-crime são uma pequena parte
No caso dos processos-crime a realidade é muito diferente. Primeiro são apenas uma ínfima parcela - representam 4,5% do total das acções existentes nos tribunais nacionais. Exemplo disso é a realidade existente em 2015. Nesse ano estavam pendentes na Justiça portuguesa menos de 59 mil processos criminais e mais de 1.245.000 na parte cível. Aliás desde 2008 que, ano após ano, os tribunais têm conseguido encerrar mais processos-crime do que aqueles que entram. Ou seja descongestionar a Justiça penal.
Mulheres só são 6% da população prisional
Dos dados divulgados pela Pordata Europa, os mais surpreendentes são os que traduzem a relação das mulheres com a Justiça e a sua participação na realização da mesma. Mariana França Gouveia destaca que tanto em Portugal como nos restantes países da UE as cadeias são essencialmente um lugar de homens. Em Portugal, as mulheres só são 6% da população prisional, apesar de representarem mais de metade da população. O número não é muito diferente dos outros países da UE. Na Letónia, que apresenta a percentagem mais elevada da União, as mulheres são apenas 8% da população prisional.
A Irlanda, no extremo oposto, tem nas cadeias apenas 3% de mulheres. Mesmo em termos de condenações, as mulheres são uma minoria tanto na Justiça portuguesa como na dos restantes países da UE. Em Portugal, por exemplo, em 2015 as mulheres representavam apenas 13% do total de condenados, uma percentagem que sete anos antes era 3% inferior. A tendência de crescimento desta proporção é visível em vários países europeus.
No entanto, mesmo na Finlândia, que tem a maior percentagem de mulheres condenadas da UE, a proporção fica-se pelos 21% do total. Actualmente as mulheres já constituem a maioria dos magistrados na maior parte dos países da UE, estando a Letónia no topo deste ranking com 79% de mulheres no total de magistrados. Em Portugal, a percentagem é de 59% e na República Checa, que apresenta o valor mais baixo da UE, a percentagem é de 40%.
Situação diferente é a que se assiste no nosso país relativamente à presença de mulheres nas forças policiais. Neste indicador Portugal aparece na cauda da Europa com apenas oito por cento de mulheres polícia no conjunto das forças de segurança. Abaixo apenas a Itália com 7%. No extremo oposto surge a Letónia e a Lituânia, com 37% e 36% do total respectivamente.
Já relativamente ao número de polícias por 100 mil habitantes Portugal aparece em quinto lugar nos 27 países que disponibilizaram em 2015 dados ao Eurostat. O mesmo não acontece com o número de magistrados, em que Portugal aparece com 17 procuradores e juízes por cada 100 mil habitantes. Tal vale-lhe a 17.ª posição num conjunto de 26 países. Muito menos do que os 45 magistrados por cada 100 mil habitantes existente na Croácia, o país que lidera o ranking.
Portugal tem das prisões mais lotadas da União
As prisões portuguesas são das mais sobrelotadas da UE, com 112% de ocupação efectiva em 2015, o ano mais recente com dados comparativos. Portugal ocupava nesse ano o quarto lugar deste ranking, apenas atrás da Hungria (127%), da França e do Chipre (ambos com 114% de ocupação). O Luxemburgo é o país da UE com as prisões mais vazias face à sua capacidade. A taxa de ocupação efectiva fica-se pelos 49%, muito abaixo dos países que se seguem, a Letónia (com 75%) e a Holanda (76%).
Surpreendente para Mariana França Gouveia é que uma parte substancial das cadeias da União estão ocupadas por cidadãos estrangeiros, ou seja, que não são nacionais daquele país. No Luxemburgo a percentagem chega aos 75% e na Grécia e na Áustria aos 54%, nos dois países. Em Portugal a percentagem fica a meio da tabela com 17%.
No entanto, recorda a Fundação Francisco Manuel dos Santos na apresentação deste trabalho, a percentagem de estrangeiros residentes em Portugal é de apenas 4%, o que significa que a proporção de estrangeiros existentes nas cadeias é substancialmente superior à proporção de portugueses.