Identidade de género divide esquerda e direita no Parlamento
Já chega “de relatórios e relatórios, consultas e mais consultas” até se conseguir a mudança de sexo no registo de identidade, ouviu-se no Parlamento.
As propostas do Governo, BE e PAN sobre o direito à autodeterminação de género deverão ser aprovadas na quarta-feira, na generalidade, mas provocaram nesta terça-feira uma divisão entre esquerda e direita na Assembleia da República.
O ministro adjunto, Eduardo Cabrita, abriu o debate no Parlamento com a afirmação de que a possibilidade de uma pessoa alterar o sexo na sua identificação é “uma questão de direitos humanos” e terminou com o apelo para que esta não se torne numa “querela partidária de curto prazo”.
Questão de direitos, sublinharam, com mais ou menos veemência, Isabel Moreira, do PS, ou Sandra Cunha, do BE, ou ainda André Silva do PAN. É preciso acabar com "o sofrimento”, com “a etiqueta” do transexual que, para mudar de sexo no registo civil, tem de apresentar um relatório médico, algo que a deputada Ângela Guerra, do PSD, continua a não dispensar.
Para quem tem a consciência de que “se nasceu no corpo errado”, “etiquetá-los de doentes mentais é de uma crueldade incompreensível”, argumentou Sandra Cunha, do BE. É preciso acabar com o sofrimento de jovens que “não se olham ao espelho porque não reconhecem o seu corpo”, acrescentou. “Cabe-nos a nós acabar com este sofrimento”, disse a deputada bloquista.
Já Isabel Moreira, do PS, insistiu que combater qualquer tipo de discriminação, seja na escola, na saúde ou no trabalho, é uma questão de “direitos fundamentais”. “Não há nada de fracturante nesta matéria. Há respeito por um direito fundamental”, disse.
Igualmente empolgado, o deputado do PAN André Silva fez a defesa do seu projecto de lei, dizendo que já chega “de relatórios e relatórios, consultas e mais consultas” até se conseguir a mudança de sexo no registo de identidade. “Se nós sabemos quem somos, as pessoas ‘trans’ sabem quem são”, disse André Silva.
PCP quer discussão mais profunda
O PCP, através de Rita Rato, defendeu que esta é uma matéria que necessita de “uma discussão mais profunda e esclarecida”, na especialidade, ouvindo pessoas sobre a lei de 2011.
“O PCP está disponível para fazer esse trabalho”, disse a deputada comunista, abrindo a porta à aprovação das leis em discussão no plenário de quarta-feira.
Entre os dois discursos de Eduardo Cabrita, a direita disse ser contra as três propostas e levantou várias dúvidas de “segurança jurídica”, acusando o PS de “se vergar” à agenda “radical da esquerda”, na expressão da social-democrata Ângela Guerra. Tanto esta deputada como Vânia Dias da Silva, do CDS, anunciaram o voto contra dos dois partidos.
Vânia Dias da Silva questionou mesmo se um jovem de 16 anos, sem capacidade para votar ou conduzir um carro, “tem capacidade para mudar de nome e de sexo de forma irreversível”. “Já pensaram bem?”, interrogou-se a deputada centrista.
Votação nesta quarta
A votação na generalidade destes três diplomas está prevista para quarta-feira, seguindo-se o debate na especialidade, em comissão. Só depois haverá uma votação final global.
Durante o debate, Ângela Guerra criticou o Bloco de Esquerda por, no seu projecto, permitir que um menor processe legalmente os pais se estes discordarem do pedido de mudança de sexo. O que valeu uma resposta de José Soeiro, do Bloco, que acusou o PSD de recorrer à lógica da “notícia falsa” e a “disparates” na discussão política das leis.
A proposta de lei do Governo, discutida na generalidade a par dos projectos do BE e do PAN, estabelece o regime da identidade de género, nomeadamente no que respeita à previsão do reconhecimento civil das pessoas intersexo (pessoa que nasce com uma anatomia reprodutiva ou sexual que não se encaixa na definição típica de sexo feminino ou masculino).
De acordo com a proposta de lei, deixa de ser preciso um relatório médico para a mudança no registo civil e é alargada a possibilidade desse pedido a pessoas a partir dos 16 anos (actualmente a idade mínima é de 18 anos). A proposta do executivo aborda também “questões de existência de protocolos médicos na saúde para pessoas intersexo” e a possibilidade de “crianças ‘trans’ poderem usar na escola o nome com que se identificam”, referiu.