Há “dinossauros” a sair agora das autarquias. “Vai custar, lá isso vai”
Este ano seriam 41 os autarcas impedidos de se recandidatarem, mas, entre estes, oito já se tinham demitido antes de a corrida autárquica arrancar. Dedicaram décadas aos municípios e agora vêem um ciclo acabar.
Durante estes 15 anos à frente do município da Maia, o social-democrata António Bragança Fernandes garante que se levantou sempre com as galinhas. O despertador tocava às 6h30, meia hora depois já estava no café a “despachar pastas”, interrompendo aqui e ali a leitura do jornal e o pequeno-almoço para ouvir quem o procurasse. Agora que o mandato chega ao fim, por já não se poder recandidatar nestas eleições autárquicas, Bragança Fernandes assegura que vai manter a mesma rotina, com a diferença de que, se for eleito, será presidente da assembleia municipal e não da câmara.
Este ano, seriam 41 os autarcas que não poderiam recandidatar-se nas eleições de 1 de Outubro, por causa da lei que impõe a limitação de mandatos, que se aplica pela segunda vez em Portugal. São os chamados “dinossauros”, políticos que dedicaram vidas às autarquias – no caso de António Bragança Fernandes, até já era autarca antes de ser presidente da Câmara da Maia (ao todo soma 28 anos nestas andanças, entre lugares de vereação e de vice-presidência).
Naquela lista de 41 autarcas impedidos, a maioria são socialistas – 16. Seguem-se os sociais-democratas com 14 rostos. A seguir, surge o PCP/PEV, com seis casos, e, por fim, a coligação de direita (PSD e CDS) que junta quatro situações. Falta apenas referir o caso do autarca de Matosinhos, Guilherme Pinto, que tinha cessado a militância socialista para enveredar por uma candidatura independente. Mas este presidente – que já tinha renunciado ao mandato devido a problemas de saúde – acabou por morrer na mesma semana em que deixou a autarquia, a primeira de Janeiro deste ano.
Só que naquele conjunto de "dinossauros" autáquicos, há sete que já se tinham demitido antes de esta corrida eleitoral começar (dois deles fizeram-no para integrar o Governo). Contas feitas, isto significa que são 33 aqueles que não se podem recandidatar e, entre estes, há diferentes futuros pela frente: há quem vá começar por descansar um pouco, trabalhar depois no sector privado, mas também há quem não abandone completamente estas lides e queira conquistar as assembleias municipais. Em 2013, havia 75 presidentes de câmara impedidos de se recandidatarem ao cargo e que concorreram às assembleias municipais.
É o caso do socialista Fernando Lopes que, igualmente impedido pela lei de se recandidatar a presidente de Câmara de Castanheira de Pêra, vai concorrer à assembleia municipal. “Não me afasto, porque entendo ser um imperativo ético e de consciência cívica dar um contributo a Castanheira de Pêra e aos seus habitantes, se eles assim o entenderem [nas urnas]. Ninguém deve furtar-se a esse compromisso”, diz, explicando que se refere ao que ainda é preciso fazer, depois dos incêndios que assolaram o concelho. Fernando Lopes é autarca há 24 anos, 12 dos quais liderou aquele município; nos outros 12 foi vice-presidente e vereador.
Um “homem realizado”
Mas já não é o plano do autarca de Barrancos, António Pica Tereno (CDU). “Fui convidado para me candidatar à assembleia municipal, mas disse que não”, conta ao PÚBLICO. A razão pela qual negou o convite? “Devemos dar autonomia a quem vem a seguir, no sentido de não interferir em nada. O meu ciclo acabou”, afirma.
O comunista de Barrancos sabe que a vida que fará a partir de agora vai ser muito diferente, mas é um “optimista”: “Tenho 68 anos, ainda sou um jovem. Fisicamente também, mas de espírito muito mais.” Só que depois de uma gargalhada, lá acaba por admitir: “A gente diz que está sempre preparada, mas que vai custar, lá isso vai.”
Os planos, para já, passam por descansar: “Terei direito a um justo e merecido descanso. E quero dar atenção à minha família que foi preterida, porque Barrancos esteve sempre em primeiro lugar, dediquei-lhe 24 anos da minha vida, entre presidente da câmara e vereador”, continua. Depois deste intervalo, pretende continuar a trabalhar – diz que vai “analisar pedidos”, convites que teve de entidades do sector privado. O autarca tem formação em História, mas também tem, sublinha, experiência na área empresarial e no turismo. Cargos políticos nos próximos tempos é que não: “Vou ficar um pouco distante da política, embora continuando a ser um cidadão activo politicamente”, ressalva.
Bragança Fernandes e Pica Tereno têm reservas sobre a lei de limitação de mandatos que determina que um presidente de câmara ou um presidente de junta de freguesia só possa exercer três mandatos consecutivos. “Eu estaria de acordo, se fosse extensiva a todos os organismos”, diz Pica Tereno. “Percebo a lei, mas não concordo. Se as pessoas gostam de nós, porque devemos ser substituídos? Devem ser os eleitores a decidir”, defende Bragança Fernandes.
Mas o autarca da Maia não vai deixar os munícipes e vai candidatar-se à assembleia municipal, pela coligação de direita. Até já fala dos planos que tem, caso vença: “Vou propor a criação de um gabinete de proximidade com a população e a criação de quatro comissões parlamentares municipais – Educação, Empregabilidade, Economia, e Associativismo.”
Quanto ao dia-a-dia, vai manter horários e hábitos. Continuará a ir das 7h às 9h até ao café que é “um segundo escritório”: “Vou continuar a fazer o mesmo. Simplesmente não tenho pastas para despachar, mas vou ler o jornal… A assembleia municipal é um órgão fiscalizador, as minhas funções não serão executivas”, esclarece.
Bragança Fernandes, que aos 69 anos diz já não ser um jovem, é o mesmo homem que também afirma que, “enquanto Deus” lhe “der saúde”, estará “disponível para ajudar os maiatos”. Agora, só espera que ganhe a corrida à liderança do município o seu vice-presidente, para quem estará sempre disponível para ajudar no que for preciso. “Sou um homem realizado, gosto muito de fazer política, de ser autarca”, reconhece por fim.