Uma história que nos empobreceu e nos envergonha
A crónica da morte anunciada da PT é muito mais do que o relato de uma falência ou a história de uma companhia que correu mal. É principalmente uma crónica de costumes. Uma novela, onde a patifaria, a falta de escrúpulos e o perfume da corrupção atravessa diferentes elites do poder económico e do poder político para se abater sobre um país afundado numa grave crise financeira e moral. Tanto como os danos resultantes da destruição de uma empresa inovadora que poderia servir de baluarte à modernização e à internacionalização da economia nacional, a história sórdida da agonia da PT e as movimentações crápulas da maioria dos seus principais dirigentes deixa em Portugal e nos portugueses uma sensação de vulnerabilidade que só o sistema judicial poderá um dia resgatar.
Há muito se sabia que o capitalismo português não passava de um libreto de uma ópera cómica. Há muito que se suspeitava que as teias relacionais entre as elites financeiras da capital e o poder político tinham criado um sistema que se defendia e se perpetuava em relações conspícuas. Durante a tenebrosa era de José Sócrates, essas redes viveram no ambiente ideal para prosperar e perder qualquer laivo de vergonha. O alto patrocínio de São Bento foi para Ricardo Salgado e os seus sequazes mais do que uma autorização: foi um incentivo para que a PT fosse transformada num cadáver onde os abutres pudessem saciar as suas necessidades financeiras.
Tudo aconteceu sem que os reguladores vissem, sem que altos quadros da PT denunciassem, sem que a imprensa se empenhasse em perceber, sem que as instâncias judiciais fossem capazes de antecipar o que estava em jogo. O falhanço da PT, sendo consequência de uma cultura irresponsável, é também o falhanço do país que fomos nesses anos perdidos da primeira década do século.
Perdida a glória da PT, encaixada a destruição de valor, resta exigir que a Justiça faça o seu caminho. Resta também desenvolver mecanismos de vigilância que evitem a repetição de uma vergonha assim. Se houve um mérito no período de ajustamento foi o de trazer para a luz do dia a venalidade e velhacaria que se cultivavam entre os donos disto tudo. Hoje já não há empresas como a PT para extorquir. Esperemos que a denúncia de investigações jornalísticas como a da Cristina Ferreira ou a punição judicial sejam capazes de travar por muitos anos a germinação de redes como as que arrasaram a PT.