Confrontos violentos no Quénia depois de anúncio da vitória de Kenyatta
Violência entre a polícia e manifestantes fez dezenas de mortos. Governo diz que forças de segurança não usaram força excessiva. Oposição fala em mais de cem mortes.
O Quénia foi palco de episódios de violência na sequência do anúncio oficial do resultado das eleições presidenciais que deram a vitória ao actual Presidente, Uhuru Kenyatta. Dezenas de pessoas morreram em confrontos com a polícia, com as autoridades a dizerem que se tratavam de “criminosos”.
É difícil discernir o número de vítimas dos confrontos entre as autoridades e os manifestantes da oposição. Os vários balanços feitos por organismos estatais, correspondentes e pela própria oposição variam entre as poucas dezenas e mais de uma centena.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos dava conta da morte de 24 pessoas, das quais 17 na zona da capital. O balanço da comissão, que tem a função de supervisionar a conduta das instituições estatais, é feito a partir de testemunhos de familiares e membros das comunidades.
Os correspondentes da Reuters no Quénia conseguiram confirmar pelo menos onze mortos. Durante a noite chegaram à morgue de Nairobi os corpos de nove jovens que tinham sido baleados pela polícia durante protestos em Mathare, um dos principais bairros de lata nos arredores da capital. Uma menina também foi morta na mesma zona, atingida por “tiros perdidos” da polícia, disse à Reuters uma testemunha.
Em Kisumu, a polícia anti-motim usou gás lacrimogénio e balas reais para conter manifestações e acabou por fazer um morto. Esta cidade foi o epicentro de violentos confrontos em 2007, depois de, tal como agora, a oposição a Kenyatta não ter aceitado os resultados que lhe atribuíam a vitória.
Na antecipação das eleições, temia-se uma reedição destes episódios que causaram cerca de 1200 mortos e desalojaram 600 mil pessoas. Porém, os primeiros sinais indicam que o grau de violência é menor desta vez.
A oposição, que apoiou o candidato Raila Odinga, responsabiliza a polícia por mais de cem mortos durante a noite, incluindo crianças, mas não avançou qualquer prova que apoiasse esta denúncia. Numa conferência de imprensa, James Orengo, dirigente da coligação oposicionista, acusou as forças de segurança de terem provocado os confrontos e prometeu reverter o resultado "falso" das eleições.
"Eles sabiam que iam roubar as eleições, eles sabiam que as pessoas iriam ficar furiosas, portanto todos os elementos de violência foram postos em campo", disse Orengo.
A polícia é acusada de exercer violência excessiva sobre os manifestantes, mas o Governo nega e diz que se trata de criminosos e não de activistas políticos. “Sejamos honestos, não há manifestações a acontecer. Indivíduos ou gangues estão a saquear lojas, querem pôr vidas em risco, estão a invadir as lojas das pessoas – não são manifestantes”, disse o ministro do Interior, Fred Matiang'i. “Eles são criminosos e esperamos que a polícia lide com os criminosos da forma como se deve lidar com criminosos”, acrescentou.
Os confrontos começaram ao início da noite de sexta-feira, pouco depois de as autoridades eleitorais terem anunciado a vitória de Kenyatta com 54% dos votos, derrotando Raila Odinga. Já este sábado, o Grupo de Observadores Eleitorais (ELOG), que teve 8300 monitores durante as eleições, disse que os seus dados corroboram os resultados oficiais. Nos dias anteriores também as missões internacionais, que incluíram por exemplo o ex-secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disseram não terem conhecimento de qualquer indício de manipulação eleitoral.
A oposição não se conforma com o resultado, com Odinga a descrevê-los como uma “charada”. A coligação NaSA, que apoia Odinga, tem repetido as acusações de manipulação dos resultados, dizendo possuir provas de que piratas informáticos entraram nos servidores que alojam os serviços eleitorais, introduzindo um algoritmo que acabou por inflacionar o resultado a favor de Kenyatta.
O presidente da comissão eleitoral, Wafula Chebukati, confirmou na quinta-feira que houve uma tentativa de intromissão no sistema, mas assegura que “não foi bem-sucedida”.