O "fogo e fúria" de Trump assustam a Ásia
Os vizinhos de Kim Jong-un viram com cepticismo a escalada da retórica do Presidente norte-americano, seu aliado.
A ameaça de Donald Trump de fazer cair “o fogo e a fúria” sobre a Coreia do Norte provocou um arrepio na espinha na Ásia, mesmo entre os seus aliados, cuja protecção o Presidente dos Estados Unidos deveria estar a garantir. Não é fácil manter-se “zen” com o aumento do risco de um conflito nuclear à sua porta.
“Vamos assistir a um confronto entre os EUA e a Coreia do Norte que será feroz, forte e sangrento”, comentou ao New York Times Cheng Xiaohe, professor de Relações Internacionais na Universidade Renmin em Pequim. As ameaças de Trump e as contra-ameaças de Kim Jong-un levaram a situação para uma nova fase.
Com Trump e Kim, o Presidente chinês tem uma dupla dor de cabeça – num momento em que aproxima o congresso do Partido Comunista, no Outono, que marca a metade do seu mandato de dez anos na presidência, e que deveria ser o auge da sua consagração no poder.
Washington quer que a Pequim obrigue Pyongyang a desistir dos testes de mísseis intercontinentais e do programa nuclear com fins ofensivos. Só que Pequim considera que a sua anuência às sanções mais fortes contra a Coreia do Norte aprovadas esta semana pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas foi uma grande concessão.
“A linguagem de Trump é muito provocadora. É 30% a sério e 70% retórica”, comentou ao Guardian Shi Yinhong, também da Universidade Renmin e consultor do Conselho de Estado (Governo) da China. Shi apelou a uma posição mais dura de Pequim – mas face aos EUA.
“A pressão chinesa tem sido dirigida apenas para a Coreia do Norte. Devemos tentar um equilíbrio e pressionar também os EUA, porque o perigo vem dos dois lados”, afirmou o analista.
“A China devia fazer uma declaração – tal como fez há alguns anos – dizendo: ‘Não vamos deixar que ninguém faça fogo e fúria ao pé da China’”, sugeriu Shi Yinhong, citado pelo Guardian. Donald Trump visitará a China até ao final do ano – será interessante ver como decorre a viagem.
Por outro lado, os aliados de Washington na Ásia, e vizinhos da Coreia do Norte – a Coreia do Sul e o Japão – vêem com crescente inquietude a opção do Presidente norte-americano por descer ao ringue da retórica com Kim Jong-un. “Trump não parece compreender o que é uma aliança, nem levar em consideração os seu aliados quando diz estas coisas”, comentou ao New York Times Lee Byong-chul, do Instituto para a Paz e Cooperação de Seul (Coreia do Sul). “Nenhum Presidente americano mencionou a opção militar de forma tão fácil, tão informal, como ele. Trump enerva os sul-coreanos, porque não encontrará muitos que queiram ver a guerra de volta à Coreia.”
No Japão, que no fim-de semana recordou a destruição provocada pelas bombas nucleares que os EUA lançaram sobre Hiroxima e Nagasáqui no fim da II Guerra Mundial – os dois únicos casos em que estas armas foram usadas – o tema é sensível, mas toca na profunda divisão entre nacionalistas e pacifistas, anti-energia nuclear.
“Trump está a dizer que os EUA estão a pôr todas as opções na mesa. O nosso Governo aprova essa posição. É extremamente importante reforçar a aliança Japão-EUA”, disse o ministro porta-voz do Governo.
“Os mísseis da Coreia do Norte fizeram escalar as tensões. Gostaria de analisar se a nossa defensa antimíssil é suficiente”, afirmou o ministro da Defesa, Itsunori Onodera, citado pelo New York Times. Em Março, Onodera liderou uma comissão parlamentar que recomendou ao Governo que estudasse a possibilidade de ter forças capazes de lançar ataques preventivos.