Governo aprova estratégia para os sem-abrigo sem se comprometer com erradicação
Comunidade Vida e Paz aplaude decisão mas gostaria de ver “um desígnio nacional” associado ao plano, como dissera Marcelo Rebelo de Sousa, que queria o fim do fenómeno dos sem-abrigo até 2023.
O prometido é cumprido: o Governo tinha afirmado que aprovaria até final de Junho a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023 e o Conselho de Ministros cumpriu a promessa na última reunião do mês. Mas o documento divulgado pelo Governo refere-se apenas a metodologia de articulação da estratégia, sem se comprometer com a erradicação do fenómeno - como pedira o Presidente da República.
“Esta estratégia vem potenciar o trabalho já realizado a este nível, reforçando as medidas a implementar no que respeita à promoção do conhecimento do fenómeno das pessoas em situação de sem-abrigo, nomeadamente a informação, sensibilização e educação, ao reforço de uma intervenção promotora da integração dessas pessoas, bem como à coordenação, monitorização e avaliação da ENIPSSA 2017-2023”, lê-se no comunicado do Conselho de Ministros.
Na conferência de imprensa após a reunião, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não avançou muito mais em termos de metas. “Temos uma expectativa muito elevada na sua capacidade de reforçar as políticas públicas nesta área muito importante", afirmou Vieira da Silva, sublinhando que a nova estratégia foi aprovada após um “trabalho intenso” com as associações. Mas nunca usou a palavra “erradicação”, como Marcelo pedia.
Vieira da Silva explicou sobretudo as alterações à estrutura de coordenação: confirmou que vai ser criada uma Comissão Interministerial, presidida por ele próprio, para “assegurar a definição, articulação e execução da ENIPSSA 2017-2013” e que esta, por seu lado, terá como principal responsabilidade aprovar os planos bienais propostos pela estrutura já existente desde 2009: o Grupo de Implementação, Monitorização e Avaliação da Estratégia (GMAE), coordenado pelo Instituto da Segurança Social.
“Finalmente temos um documento formal e do Governo a aprovar a estratégia”, congratula-se Henrique Joaquim, presidente da Comunidade Vida e Paz, a instituição de apoio aos sem-abrigo onde o Presidente da República promoveu uma reunião sobre o fenómeno no início de Abril.
O responsável constata, no entanto, que o ano de 2017 está praticamente perdido em termos de acção, pois “apenas se cumpriu a apresentação da nova estratégia”. A Resolução do Conselho de Ministro determina que o Plano de Acção 2017-2018 deve ser proposto pelo GIMAE à Comissão Interministerial no prazo de 60 dias, após a publicação em Diário da República.
Mas o grande lamento de Henrique Joaquim é a falta de ambição demonstrada pela estratégia aprovada. “Não há, na informação disponibilizada, nenhum desígnio nacional como aquele que o Presidente da República tinha pedido”, afirma, considerando que “seria positivo” que tal acontecesse.
Desde o Inverno que Marcelo Rebelo de Sousa colocara na agenda a necessidade de revisão da estratégia anterior (2009/2015), mas que estava praticamente parada desde 2013, quando foi interrompido o trabalho do GMAE. Além de várias visitas a sem-abrigo em Lisboa e no Porto, de ajudar a vender a revista Cais, da qual foi director da edição de Maio, o Presidente chegou promover reuniões de trabalho com instituições de apoio a sem-abrigo.
Naquela reunião na Comunidade Vida e Paz, o chefe de Estado apelou à rápida implementação da nova estratégia, colocando como objectivo a erradicação dos sem-abrigo até 2023. Na segunda, a 17 de Abril, participou já uma representante do Instituto de Segurança Social – a pedido do Governo -, que fez a avaliação da estratégia anterior e apontou as linhas gerais da nova, então ainda a ser preparada pelo Executivo. Desde então, o Presidente da República não voltou a referir-se ao assunto.
De acordo com as informações obtidas pelo PÚBLICO em Maio – e que coincidem com as agora reveladas -, a nova estratégia terá três eixos. O primeiro destina-se a aumentar a informação, a sensibilização e a educação sobre o fenómeno. O segundo traduz-se no “reforço de uma intervenção promotora de integração das pessoas sem abrigo”. E o terceiro, que é novo, foca-se na coordenação, monitorização e avaliação.
O modelo assenta “numa premissa de rentabilização de recursos humanos e financeiros, bem como da necessidade de evitar a duplicação de respostas e qualificar a intervenção ao nível da prevenção das situações de sem-abrigo e do acompanhamento junto dos utentes”.