Ataque de helicóptero em Caracas foi golpe ou encenação?

Presidente Nicolás Maduro garante que fará o que for preciso para proteger o seu Governo e o "direito à tranquilidade". Oposição fala em encenação para desviar as atenções das manobras autoritárias do regime.

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Helicóptero sobrevoa uma manifestação em Caracas Ivan Alvarado/REUTERS
O inspector da polícia científica Oscar Pérez foi identificado como o autor do ataque
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O inspector da polícia científica Oscar Pérez foi identificado como o autor do ataque Reuters/CHRISTIAN VERON

Foi um “atentado terrorista”, um “acto rebelde”, ou simplesmente uma “escalada golpista”. O Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ofereceu várias explicações para o ataque levado a cabo por um comando refractário contra o Tribunal Supremo de Justiça e outros edifícios governamentais, atingidos com tiros e granadas lançadas de helicóptero. Mas não fez qualquer distinção no que diz respeito à resposta do seu Governo: não terá contemplações, e usará “toda a força” para castigar os responsáveis e esmagar qualquer insurreição.

Os “insurrectos” que ensaiaram o ataque – que não fez feridos e provocou poucos danos nos edifícios – foram identificados como um grupo rebelde dissidente da polícia, possivelmente associado ao ex-general Miguel Rodriguez Torres, um antigo chefe dos serviços secretos e ex-ministro do Interior que entrou em colisão com Nicolás Maduro. A conexão é Óscar Pérez, um inspector da polícia científica que já foi piloto, mergulhador, paraquedista, actor, e agora é o homem mais procurado da Venezuela.

“Somos uma coligação de funcionários militares, polícias e civis, em busca do equilíbrio e contra este Governo transitório e criminoso. Não temos tendência político-partidária; somos nacionalistas, patriotas e institucionalistas”, apresentou-se Óscar Pérez, num vídeo divulgado nas redes sociais em que surge vestido com o uniforme militar e ladeado por quatro indivíduos armados e de cara tapada. “O nosso único objectivo é devolver o poder ao povo democrático, e assim cumprir a lei e restabelecer a ordem constitucional”, informa.

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Óscar Pérez, num vídeo divulgado nas redes sociais @OSCARPEREZGV INSTAGRAM/REUTERS

Segundo as explicações oficiais, foi Pérez que roubou um helicóptero do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminais (CICPC) da base aérea Francisco de Miranda, e conduziu o ataque: por volta das 18h40 de terça-feira, quando o helicóptero já tinha sobrevoado a zona envolvente ao Palácio de Miraflores, a sede da presidência, ouviram-se as explosões de pelo menos quatro granadas lançadas contra o Tribunal Supremo de Justiça. Os comandos a bordo dispararam depois quinze vezes para o terraço do Ministério da Justiça e Interior, onde decorria uma cerimónia oficial com jornalistas: “Poderia ter sido uma tragédia, com várias dezenas de mortos e feridos”, disse o Presidente, numa declaração ao país em que informou da “activação” de todas as Forças Armadas para “defender o direito à tranquilidade”.

Onde estão as provas?

Nicolás Maduro foi citado pela imprensa venezuelana a dizer que a acção foi levada a cabo por “grupo armado financiado por sectores da oposição”; e pela imprensa internacional a afirmar que Óscar Pérez estava a cumprir instruções da agência norte-americana CIA dadas pela embaixada dos Estados Unidos em Caracas. Em ambos os casos, não foram avançadas provas para sustentar a ligação. À Reuters, Rodríguez Torres, o ex-general implicado pelo Governo, classificou o episódio como uma “charada”. “Não há aqui nada de convincente, foi um triste espectáculo para dar credibilidade à conversa do golpe e para o Presidente poder atirar-me as culpas”, comentou.

As autoridades ainda não exibiram provas forenses do ataque, nem conseguiram recuperar o helicóptero. Só uma tarja, com a palavra “Liberdade” e o número 350, foi recuperada. Esse é um slogan da oposição que faz referência ao artigo da Constituição que consagra o direito à desobediência civil: “O povo da Venezuela (…) deve repudiar qualquer regime, legislação ou autoridade que viole os valores, princípios e garantias democráticas, ou usurpe os direitos humanos”.

As declarações de Maduro também não convenceram a oposição, que assinalou uma série de coincidências “estranhas” para falar numa encenação do regime. Por exemplo, o ataque aconteceu logo após a criação de “unidades ligeiras de acção especial” dentro das Forças Armadas, cuja missão é “responder aos novos cenários de violência política, guerra psicológica, económica, isolamento e assédio internacional”, anunciou o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. E no mesmo dia em que o Tribunal Supremo decidiu entregar poderes de investigação e acusação ao Defensor do Povo, Tarek Saab, um fiel do regime – uma manobra que enfraquece a posição da Procuradora-geral, Luisa Ortega, que se assumiu como crítica do Governo, e compromete actuação do Ministério Público.

Além disso, à mesma hora do ataque do helicóptero, os legisladores da coligação Mesa de Unidade Democrática (MUD), que detém a maioria da Assembleia Nacional, encontravam-se sitiados no Parlamento, sob o cerco de brigadas populares apoiantes do regime e da Guarda Nacional Bolivariana. “Uns dizem que o ataque foi real, outros que isto foi tudo encenado como um filme. Eu só posso dizer que foi um dia cheio de contradições, em que mil coisas aconteceram. Se tivesse de resumir o que se passou, diria o seguinte: há um Governo que está a cair de podre, e um país que está a lutar pela sua dignidade”, declarou à Reuters o presidente da Assembleia, Julio Borges.

Fidelidade do Exército

Ainda há muitas perguntas sem resposta. Partindo do princípio que não se tratou de uma orquestração do regime, mas de uma genuína acção rebelde contra os símbolos do poder de Maduro, a grande dúvida é saber se a base de sustentação do Governo já começou a ceder – será que a “escalada golpista”, nas palavras do Presidente, já chegou às fileiras do Exército?

Embora as hierarquias militares não tenham manifestado sinais de insatisfação, Maduro estará preocupado com a unidade do Exército. Na semana passada, o Presidente substituiu as chefias de todos os ramos das Forças Armadas.

Esse movimento “mascarou” a demissão do chefe do Conselho de Defesa Nacional, general Alexis López Ramírez, que abandonou o cargo por discordar da convocatória de uma assembleia constituinte e do método de escolha dos seus representantes. Para que o seu gesto não fosse interpretado como uma dissidência para com o chavismo, o general fez questão de declarar a sua “amizade, apreciação e gratidão” ao Presidente Nicolás Maduro – que argumenta que a revisão da Constituição se destina a “aprofundar” e não “enterrar” o legado de Hugo Chávez.

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