Passos Coelho começou ao ataque e acabou a pedir desculpa
A mensagem que o líder do PSD queria apresentar acabou por passar despercebida: a criação de um mecanismo rápido de atribuição de indemnizações às vítimas.
O Estado falhou. E dez dias depois, ainda está a falhar. Se tivesse dito só isto, Pedro Passos Coelho teria tido um dia irrepreensível. Mas disse mais. Depois de uma visita aos bombeiros de Castanheira de Pera lamentou as vítimas indirectas do incêndio que vitimou 64 pessoas. "Tenho conhecimento de vítimas indirectas deste processo, de pessoas que puseram termo à vida, que em desespero se suicidaram, e que não receberam, a tempo, o apoio psicológico que devia ter existido”. Acabou o dia a pedir desculpa aos portugueses.
Passos falou das pessoas “que puseram termo à vida” ao final de manhã e à hora do almoço já estava a ser desmentido por Valdemar Alves, presidente da Câmara de Pedrógão Grande. “Corram com os boateiros, porque efectivamente, graças a Deus, não há confirmação nenhuma de suicídios. O que há, sim, é boatos", disse o autarca à RTP. O presidente da Administração Regional de Saúde do Centro, José Tereso, repetiu mais tarde que não havia "nenhum caso de suicídio com ligação" directa ao incêndio que começou em Pedrógão Grande.
Só a meio da tarde se desfez o equívoco. Afinal, foi o provedor da Santa Casa da Misericórdia quem disse ao líder do PSD que teria havido suicídios em Pedrógão Grande. "Tenho de pedir desculpa porque julguei que a informação era fidedigna e, afinal, não era", disse ao PÚBLICO João Marques. "Felizmente não se confirma nenhum suicídio, ao contrário do que eu disse ao dr. Passos Coelho. Peço-lhe desculpas públicas por isso", tinha já antes tido ao Expresso.
O provedor – que será o candidato do PSD à Câmara Municipal de Pedrógão, depois de já ter liderado a autarquia entre 1997 e 2013 – disse também que há casos de "manifestações suicidárias de mais algumas pessoas, que dizem que têm essa intenção". E insistiu que "perante uma tragédia desta dimensão" é preciso reforçar o apoio psicológico às vítimas.
A verdade é que o líder do PSD transmitiu sem confirmar o que tinha ouvido. Mas as certezas de Passos começaram a ser postas em causa mesmo enquanto ele falava com os jornalistas, na sede dos bombeiros do concelho. Quando os jornalistas pediram para que fosse mais específico quanto à informação dos suicídios, um deputado do PSD diz que a informação "não se confirma". E Passos volta-se para trás, perguntando: "Não se confirma?". A seguir, virado para os jornalistas, explicou que essa informação lhe tinha sido transmitida "por um familiar", pelo que não tinha duvidado dela.
Passos viral
A história do dia pôs Passos Coelho no centro das críticas de alguns internautas, com e sem partido conhecido. No Twitter, seguiram-se as chamadas de atenção. No Facebook, Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS escreveu que é “uma vergonha que o candidato do PSD, também provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pedrógão Grande, se preste a este lamentável papel. É inqualificável que um ex-primeiro-ministro difunda um boato com esta gravidade”.
Outro deputado do PS, Tiago Barbosa Ribeiro, acusou Passos de ser “ligeiro e irresponsável” e de “alimentar polémicas partidárias com suicídios - neste caso, felizmente, imaginários” e disse que isso “torna a vida política insuportável”. João Galamba, porta-voz do PS, acrescentou: “Indignidade e pornografia política. O desespero não justifica tudo.”
Entre os sociais-democratas, reinou o silêncio. O PÚBLICO tentou falar com vários elementos do PSD e ninguém quis comentar.
O dia acabou com Pedro Passos Coelho a ser interpelado por jornalistas na apresentação da candidatura de Fernando Seara à Câmara de Odivelas. À chegada, o líder do PSD pediu desculpa aos portugueses por ter usado um dado que não estava confirmado.
"Não tenho nenhuma dificuldade em pedir desculpa", começou por dizer, lembrando que, logo na altura, um deputado do seu partido que acompanhava a visita aos bombeiros de Castanheira de Pera assumiu que a informação não estava confirmada. "A responsabilidade por tê-la usado cabe-me apenas a mim", assumiu o social-democrata.
No meio de tamanha controvérsia, a proposta que Passos fez a Costa relativa à criação de um mecanismo rápido de atribuição de indemnizações às vítimas, passou despercebida. "Espero que isto não faça esquecer o essencial da observação que eu fiz. Temos a confirmação clara de que o Estado falhou. Era importante que houvesse um mecanismo rápido" para ressarcir familiares das vítimas, disse. Dez dias depois, ainda não existe nada.
De manhã, o social-democrata havia proposto a criação um mecanismo rápido de atribuição de indemnizações às vítimas. Se tal não acontecer, o PSD poderá apresentar uma iniciativa legislativa nesse sentido, anunciou, mas não será tão célere. “O Estado não tomou ainda essa iniciativa”, disse Passos Coelho. E Costa não deu resposta.
Na opinião de Passos, o executivo de António Costa poderá aprovar um conjunto de medidas urgentes, tal como aconteceu em 2001, da parte do governo de António Guterres, na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios, sobre o rio Douro, em que morreram mais de 50 pessoas. Passos admitiu que, desta vez, seja “um mecanismo mais robusto”, através de um decreto-lei, e sublinhou que “o Estado falhou” na sua obrigação de “garantir a segurança e a vida” dos cidadãos.
O líder do PSD ainda acrescentou, quando os jornalistas o questionaram sobre se entende ter usado um argumento válido, que "não há arma de arremesso político nenhum”. Com David Dinis e Romana Borja Santos