Proposta de lei para acesso das "secretas" a metadados é inconstitucional
O parecer é da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Já durante um debate parlamentar, o PCP e o BE afirmaram que a proposta era inconstitucional por permitir o acesso às comunicações electrónicas se faça mesmo fora do âmbito do processo-crime.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) considera que a proposta do Governo que pretende permitir aos serviços de informações o acesso a dados de comunicações electrónicas, os metadados, viola a Constituição da República.
Esta proposta do Governo foi aprovada na generalidade, na Assembleia da República, no mês passado, com os votos favoráveis do PSD, PS e CDS-PP (que também tem um projecto semelhante sobre esta matéria) e com a oposição do Bloco de Esquerda, PCP e "Os Verdes".
O parecer da CNPD, com a data de terça-feira e que já chegou à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, confirma as críticas feitas sobretudo pelo BE e PCP ao diploma do Governo que pretende alargar o âmbito da actuação das "secretas" portuguesas: "A proposta de lei viola a proibição de ingerência nas comunicações electrónicas previstas na Constituição da República Portuguesa, bem como as normas da Constituição, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que tutelam a vida provada e familiar, a protecção dos dados pessoais e a privacidade nas comunicações."
"A proibição de ingerência nas comunicações constante na Constituição abrange todos os dados de comunicação, pelo que o acesso aos dados de comunicação previsto na proposta de lei não está coberto pela autorização constitucional, a qual é restrita à matéria do processo criminal", lê-se no parecer da CNPD.
Durante o recente debate parlamentar, PCP e Bloco de Esquerda, apesar de terem reconhecido um esforço do Governo para tentar "judicializar" o processo de acesso a metadados por parte das "secretas" portuguesas, apontaram mesmo assim uma violação da Constituição da República, já que o diploma do executivo pretende permitir que esse acesso às comunicações electrónicas pelos agentes dos serviços de informações se faça fora do âmbito do processo-crime.
No seu parecer, a CNPD também não valoriza a ideia do Governo de entregar a uma secção do Supremo Tribunal de Justiça o controlo sobre o acesso dos agentes dos serviços de informação aos dados de comunicações electrónica, procurando por essa via o executivo tornear a questão da ausência de processo-crime e apresentar garantias de controlo judicial.
No entanto, segundo a CNPD, "a institucionalização de um controlo prévio e um aparente controlo sucessivo por uma 'formação' de juízes, nos termos descritos na proposta, não é equiparável a um processo criminal, não assegurando as garantias dos direitos fundamentais constitucionalmente previstas".
Por outro lado, "a classificação dos dados de comunicações assumida na proposta contraria as normas legais (nacionais e europeias) de protecção da privacidade, que definem um mesmo regime jurídico de protecção para todos esses dados, por essa via subtraindo de tal protecção jurídica certo tipo de dados em contradição com o actual quadro constitucional e legal" - aqui, uma alusão ao facto de o Governo tentar distinguir metadados e escutas (estas fora da proposta de lei).
A CNPD observa ainda que "os dados de localização relativos à prestação de serviços de valor acrescentados são os únicos dados que não servem de suporte às comunicações, não integrando a categoria de tráfego".
"Mas, enquanto dados pessoais sensíveis reveladores da vida privada e familiar, o correspondente acesso pelo SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa) constitui uma restrição aos direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à protecção de dados pessoais, cujos pressupostos de autorização e garantias previstos na proposta não estão conformes com a Constituição, a Carta e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem", lê-se no parecer da CNPD.
No parecer enviado ao parlamento, a CNPD adverte ainda que "as comunicações são hoje um meio permanente e generalizado de interacção e que também por isso revelam múltiplas dimensões da vida privada e familiar".
Por essa razão - acrescenta-se no documento -, "as normas que tutelam aquelas dimensões humanas fundamentais têm de ser interpretadas como abrangendo, no seu âmbito de protecção, todos os meios de comunicação e todos os dados pessoais a eles referentes".