Sem os EUA no Acordo de Paris, teremos sempre o resto do mundo?

O Presidente Donald Trump deverá anunciar a saída dos EUA do Acordo de Paris sobre alterações climáticas, assinado pelo seu antecessor, Barack Obama. Apenas dois países ficaram de fora até agora: Síria e Nicarágua.

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Donald Trump diz que fará um anúncio "nos próximos dias" Jonathan Ernst/Reuters

Tal como em muitas outras decisões que foi tomando desde que pôs os pés na Casa Branca, Donald Trump decidiu manter o mundo em suspenso à espera de saber se os Estados Unidos vão ou não tornar-se no único país a sair do Acordo de Paris por achar que isso do clima não interessa assim tanto. Os sinais enviados na manhã desta quarta-feira deixam a porta escancarada para uma saída, mas não seria nada do outro mundo se o Presidente norte-americano mudar de ideias nas próximas horas.

Partindo do princípio de que a notícia avançada em primeira mão pelo site norte-americano Axios vai manter-se até que chegue o anúncio oficial, o Presidente Trump decidiu que o melhor para os Estados Unidos é sair do Acordo de Paris, e levar consigo muito do ascendente moral que o país foi conquistando nos últimos anos no combate às alterações climáticas.

Para além de não ser ainda claro se os Estados Unidos saem do acordo ou se ficam para o renegociar (Trump disse no Twitter que vai anunciar a sua decisão "nos próximos dias"), menos clara ainda é a forma como essa possível saída poderá acontecer.

Se a Casa Branca se limitar a renunciar ao acordo, o corte do cordão umbilical só ficará consumado em 2020 – são três anos para falar e mais um para decidir; se quiser uma saída mais rápida, terá de sair também da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, assinada há 24 anos – fica tudo resolvido num ano, mas abandonar o Acordo de Paris e virar as costas a uma convenção da ONU será um golpe arriscado demais até para os responsáveis da Casa Branca que não acreditam nas alterações climáticas.

Tudo somado, a saída "limpa" (sem atropelar a convenção da ONU) deixaria aos Estados Unidos a hipótese de regressar ao acordo quase sem sair dele – se, em Novembro de 2020, os eleitores puserem na Casa Branca um candidato ou uma candidata que prometa fazer isso mesmo. Mas esta é uma leitura que não leva em conta os efeitos psicológicos da saída da maior potência mundial de um compromisso que demorou duas décadas a construir.

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Sinal negativo

Mais do que consequências práticas na evolução das alterações climáticas a curto prazo, a decisão de Donald Trump enviará um sinal negativo aos outros 194 países que assinaram o Acordo de Paris: apesar de a China já ter vindo dizer que vai manter as suas metas com ou sem Estados Unidos, ninguém sabe que consequência a longo prazo vai ter a passagem de Pequim para a liderança das negociações no mundo. Porque é isso que vai acontecer se a Administração Trump decidir mesmo sair do Acordo de Paris – a China, o maior poluidor do mundo, mas também um dos mais interessados em posicionar-se bem para a entrada numa economia mais limpa, não perderá a oportunidade para ocupar o lugar deixado vago pelos Estados Unidos.

Aquilo a que hoje se chama Acordo de Paris começou a ser construído em 1992, precisamente através da convenção da ONU sobre o clima que os Estados Unidos poderão abandonar esta semana. Nas duas décadas que se seguiram, os países foram percebendo que seria impossível fechar um acordo com metas obrigatórias e sujeitas a penalizações. E é por isso que o Acordo de Paris, assinado em Dezembro de 2015, é tão importante – é o primeiro acordo internacional em que cada país pode traçar as suas próprias metas para a redução de emissões de dióxido de carbono, de forma voluntária, tendo apenas que se controlar uns aos outros em reuniões periódicas.

É este o modelo de acordo que os 195 países da ONU consideraram ser o ideal para tentarem limitar a subida da temperatura mundial a "muito menos" do que 2º Celsius acima dos níveis anteriores à revolução industrial. Dos 195 países que fazem parte da ONU (193 mais dois observadores – a Santa Sé e a Palestina), apenas dois se mantiveram à margem das negociações: a Síria, porque é um país que está a ser destruído por uma sangrenta guerra civil há seis anos; e a Nicarágua, porque considera o acordo pouco ambicioso nas metas e condenado ao falhanço por não ser de cumprimento obrigatório.

Se os Estados Unidos saírem – uma hipótese que é dada como certa por vários jornais norte-americanos –, tornam-se no primeiro país a virar as costas ao acordo por considerá-lo mau para os seus interesses nacionais, argumentando que iria prejudicar as indústrias tradicionais e agravar o desemprego em algumas regiões dos Estados Unidos. Em Abril de 2001, pouco depois de ter chegado à Casa Branca, o então Presidente George W. Bush anunciou que os Estados Unidos não iriam ratificar o Protocolo de Quioto, provocando manifestações um pouco por todo o mundo.

Nacionalistas contra globalistas

A saída do Acordo de Paris foi uma das principais promessas de campanha de Donald Trump – chegando à Casa Branca, iria passar uma borracha sobre todas as decisões do seu antecessor, Barack Obama, e voltar a apostar tudo no renascimento das minas e das fábricas, que supostamente iriam fazer a América grande outra vez. A soprar-lhe no ouvido, já na Casa Branca, estiveram dois grandes grupos: de um lado, os nacionalistas, liderados pelo conselheiro Stephen Bannon; do outro, os globalistas, liderados pelo secretário de Estado, Rex Tillerson, e pela filha Ivanka Trump.

Foi uma batalha no interior da Casa Branca que transbordou para a cimeira do G7, que decorreu no passado fim-de-semana na cidade italiana de Taormina – a chanceler alemã, Angela Merkel, disse que as negociações sobre o Acordo de Paris entre Donald Trump e os outros seis líderes do grupo tinham sido "muito difíceis, para não dizer muito insatisfatórias".

Para além de querer cumprir uma promessa de campanha e agradar à sua base de apoio mais nativista e nacionalista, é difícil perceber o que levou Donald Trump a dar mais ouvidos a Bannon do que à sua filha Ivanka (cuja opinião serviu de argumento para atacar uma base aérea na Síria, em Abril) e a Tillerson. Para além de o Acordo de Paris não ter metas obrigatórias – e que, ainda por cima, podem ser ajustadas ao longo dos anos, apesar de o objectivo ser ajustá-las sempre para melhor –, vários especialistas dizem que não há nada no documento que impeça a Administração Trump de prosseguir a sua política económica.

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As sondagens indicam que a maioria dos inquiridos nos Estados Unidos é contra a saída do acordo, e a esmagadora maioria das empresas – das tecnológicas às energéticas – ou aprova ou não está contra. Um indicador disso mesmo é a posição favorável do actual secretário de Estado, Rex Tillerson, que há apenas meio ano era presidente executivo da Exxon Mobil.

Ironicamente, se a Administração Trump sair do acordo e se países como a China e a Índia derem o exemplo e mantiverem as suas metas, os grandes perdedores poderão ser os próprios Estados Unidos, avisou George Schultz, secretário do Tesouro e de Estado dos antigos Presidentes Richard Nixon e Ronald Reagan: "A construção de acordos globais assenta na confiança, na reputação e na credibilidade, que podem ser desbaratadas com muita facilidade. Os Estados Unidos ficam mais bem servidos se mantiverem um lugar à cabeça da mesa de negociações do que se ficarem de fora. Se a América não honrar um acordo global que ajudou a construir, as repercussões vão comprometer as nossas prioridades diplomáticas em todo o mundo, já para não falar da posição do país e do acesso aos mercados das nossas empresas", escreveu George Schultz no The New York Times.

No domingo passado, a chanceler Angela Merkel deu voz aos receios do antigo secretário de Estado de Ronald Reagan: "Os últimos dias mostraram-nos que nem sempre podemos confiar nos nossos aliados e parceiros", disse, ainda na ressaca da cimeira dos G7.

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