Lapsos e confusão no novo regime contra branqueamento
Penalistas de renome mostraram-se muito críticos da forma como Governo transpôs directiva europeia que também se destina a dificultar financiamento do terrorismo. “Usou-se uma técnica legislativa duvidosa”, observou Rui Patrício.
O novo regime legal destinado a prevenir o branqueamento de capitais, que foi aprovado na generalidade na Assembleia da República no final de Março, é confuso e pode nem sequer atingir os fins para que foi criado, dizem dois reputados penalistas portugueses.
Numa conferência internacional dedicada ao tema que teve lugar na Sociedade de Geografia de Lisboa, os advogados Rui Patrício e Paulo Sá e Cunha mostraram-se nesta terça-feira de manhã muito críticos da proposta de lei que transpõe para a ordem jurídica portuguesa uma directiva europeia destinada a combater não só a lavagem de dinheiro como o financiamento do terrorismo. Trata-se de um extensíssimo diploma legal que impõe, nas suas 240 páginas, não só às empresas do sector financeiro como a muitas não financeiras, várias obrigações para prevenir estes fenómenos. Têm, por exemplo, de vigiar desde o início transacções feitas por pessoas politicamente expostas – um conceito que além de políticos inclui ex-políticos, juízes de tribunais superiores, familiares mais próximos e sócios.
As empresas ficam obrigadas a identificar situações de risco dos seus clientes e a comunicar as operações que lhes pareçam suspeitas. Os novos deveres estendem-se a instituições do sector imobiliário e dos jogos, mas também empresas que de algum modo tenham ligações a esses ramos, como sociedades de advogados, consultoras, auditores, contabilistas ou notários, agentes desportivos, negociadores de diamantes em bruto ou ainda empresas que transaccionem em numerário acima de dez mil euros.
"Técnica legislativa duvidosa"
“A proposta de lei tem vários lapsos”, observou Rui Patrício. “Não estabelece responsabilidades para as pessoas colectivas relativamente aos crimes que acrescenta” à lei em vigor, exemplificou. “Foi feita uma norma de sanção, mas não uma norma de responsabilidade.” A forma como foram estabelecidas as contra-ordenações para quem infringir a lei também lhe suscitou críticas, por causa das alíneas legais do diploma “que se estendem até quase ao infinito”, de tão numerosas que são.
“Usou-se uma técnica legislativa duvidosa”, atirou o advogado. “É preciso cuidado no modo como se desenham os ilícitos” – sob pena de se ficar aquém dos objectivos que se pretende atingir. “Porque onde tudo é proibido, tudo é permitido”, observou, acrescentando que o regime sancionatório previsto constitui “a área mais tenebrosa da proposta.”
Tal como Rui Patrício, também Paulo Sá e Cunha antecipa um aumento da litigância nos tribunais gerado pela “confusão monumental” que a nova lei vai gerar. “Esta transposição é absolutamente prolixa e confusa. Causa alguma exasperação”, opinou. Paulo Sá e Cunha explica que pela lei ainda em vigor as coimas aplicadas pela prática de contra-ordenações ligadas à falta de vigilância das entidades financeiras em matéria de branqueamento de capitais se regiam todas pelo mesmo regime jurídico.
Com a nova lei, que está a ser discutida na especialidade no Parlamento, passam a ser aplicáveis cinco ou seis regimes sancionatórios diferentes consoante a autoridade responsável pela aplicação da coima – “o que, além de tudo, cria uma situação de desigualdade”, uma vez que os mesmos tipos de infracção poderão vir a ser punidos de forma diferente, consoante seja por exemplo o Banco de Portugal ou a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a aplicar a multa à entidade financeira que prevaricou.
Para o advogado Daniel Proença de Carvalho, que abriu a conferência, o branqueamento de capitais e o terrorismo são dos maiores problemas que o mundo enfrenta neste momento, uma vez que a livre circulação do dinheiro e o crime surgem por vezes associados.