Dívida? PS e BE querem mais 45 anos para pagar à UE
Grupo de trabalho sugere uma negociação europeia de juros e maturidades, sem "haircut", mas reestruturando 31% da dívida. A detida por privados e ao FMI não seria tocada.
O Governo português deve abrir uma negociação que permita estender por mais 45 anos os prazos de pagamentos da dívida portuguesa a organismos europeus (face aos 15,6 anos de maturidade média existente no final do ano passado). E lutar por uma taxa de juro média desses empréstimos de 1%, que compara com os 2,4% actuais.
As propostas são do grupo de trabalho sobre a dívida externa, mas entregues ao executivo socialista como uma sugestão - "meramente como exemplo do tipo de reestruturação que seria possível", diz o documento, a que o PÚBLICO teve acesso. Sendo acompanhadas por uma garantia às instituições comunitárias (e aos mercados): "Não seria necessária uma reestruturação do valor facial dessa parte da dívida pública. A restante dívida pública e a dívida ao FMI não seria afetada."
O documento dedica apenas 17 páginas a esta parte da solução para a dívida externa portuguesa, sendo claro que no grupo de trabalho todos entendem que esta é uma condição essencial para que a trajectória da dívida portuguesa seja sustentável. O aviso fica escrito, mesmo que num tom prudente: sem nada fazer, "seria necessário alcançar excedentes primários muito substanciais (4,1% em 2021) nunca registados em Portugal e raramente alcançados por algum país. Excedentes desta magnitude (…) exigiriam ou um aumento de impostos significativo ou uma deterioração da qualidade dos serviços públicos e das prestações sociais", dizem os políticos e economistas que subscrevem as conclusões do estudo.
O objectivo desta negociação é duplo. Por um lado, a operação permitiria desencadear uma diminuição da dívida, segundo os critérios contabilísticos de Maastricht ("a dívida directa do Estado seria reestruturada em cerca de 31%. De forma simplificada, estima-se que o valor presente da dívida pública cairia de 130,7% para cerca de 91,7% do PIB"). E, em segundo lugar, evitar que sejam exigidos sucessivos orçamentos restritivos ao país, prejudiciais à economia. Nas contas feitas pelos elementos do grupo, "a despesa com juros cairia cerca de 450 milhões de euros em 2018. A partir de 2023 a diminuição estimada da despesa pública com juros seria de perto de 1900 milhões de euros por ano".
O relatório aponta ainda um outro cenário, independente da reestruturação de dívida, em que decisões tomadas a nível europeu beneficiariam Portugal. Neste caso, aquilo que se assume é que o Banco Central Europeu irá transformar o seu programa de compra de dívida pública na zona euro num "programa permanente", comprometendo-se a comprar nova dívida portuguesa assim que os títulos que agora detém atingirem a maturidade. Se tal se confirmasse (não é certo como é que o BCE optará por reduzir o seu balanço nos próximos anos), isso geraria poupanças na despesa com juros para Portugal de 680 milhões de euros logo em 2018, subindo progressivamente nos anos seguintes.
BE e PCP já pediram muito mais
Apesar de ter sido um tema varrido para o lado nos acordos celebrados à esquerda para viabilizar este Governo, a questão da dívida mereceu sempre um tom mais duro dos partidos que apoiam o Governo - sendo um espectro a pairar sobre a “geringonça”. Quando os acordos à esquerda foram firmados (a constituição do grupo de trabalho sobre a sustentabilidade da dívida ficou acertada com BE e PS), todos os lados sabiam o que havia a separá-los: PS sugerindo uma negociação europeia; Bloco de Esquerda e PCP pedindo mais do que isso: uma renegociação que incluísse um perdão parcial, para além dos juros e maturidades. Tudo ficou escrito nos programas eleitorais.
No programa eleitoral do Bloco de Esquerda ficaram os detalhes: abatimento de 60%, juros médios de 1,5% e pagamento adiado para 2022/2030, incluindo credores públicos e privados, salvaguardando certificados do tesouro e de aforro, bem como o fundo da Segurança Social; após um período de carência de três anos, indexação do pagamento de juros à taxa anual de crescimento do PIB; devolução pelo BCE dos “lucros que obteve com títulos da dívida portuguesa”; auditoria à dívida, “para que sejam conhecidas e transparentes, para todos os cidadãos e cidadãs, as suas origens e natureza e para determinar a parte que seja ilegítima”.
O programa eleitoral dos comunistas também era claro: falava numa “dívida insustentável” e num “serviço da dívida sufocante”. Por isso, também defendiam a “renegociação da dívida nos prazos, juros e montantes” e apresentaram contas: “Renegociação da dívida pública com a redução do valor nominal dos montantes em 50% e redução do seu serviço em 75%”. Juntando ainda isto: “Apuramento formal da origem da dívida, dos credores actuais e da perspectiva de evolução; uma moratória; um serviço da dívida compatível com o crescimento económico; a salvaguarda da dívida dos pequenos aforradores, da Segurança Social, dos sectores público, cooperativo e mutualista”.
Onde tudo começou
A reestruturação da dívida já tinha sido defendida em 2014 por pessoas de diferentes quadrantes políticos, tais como os centristas Adriano Moreira (CDS), Freitas do Amaral e o antigo ministro Bagão Félix; a social-democrata Manuela Ferreira Leite dois ex-assessores de Cavaco Silva. Tinha sido defendida tanto por António Saraiva (Confederação Empresarial de Portugal), como pelo sindicalista Carvalho da Silva. Por socialistas como Carlos César e João Cravinho. Pelo presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues e por ministros como Adalberto Campos Fernandes e Eduardo Cabrita. E isto só para citar alguns nomes que, em Março desse ano, da esquerda à direita, assinavam o Manifesto: Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente. Subscreviam ainda o documento João Galamba e Paulo Trigo Pereira, agora representantes do PS no grupo da dívida; o bloquista Francisco Louçã, também no grupo; e o académico Ricardo Paes Mamede.
Nesse documento, escreviam: “Nenhuma estratégia de combate à crise poderá ter êxito se não conciliar a resposta à questão da dívida com a efectivação de um robusto processo de crescimento económico e de emprego num quadro de coesão e efectiva solidariedade nacional. (…) A reestruturação da dívida é condição sine qua non para o alcance desses objectivos”.
Defendiam uma “reestruturação responsável da dívida”, que ela devia ocorrer no espaço institucional europeu, mesmo que fosse “a contragosto, designadamente dos responsáveis alemães”, mas que havia “alternativa”. Propunham: abaixamento da taxa média de juro; alongamento dos prazos da dívida; e reestruturar, pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB.
O tema tanto não caiu no esquecimento que ainda nesta quinta-feira foi a votos no Parlamento uma proposta do PCP para a criação de uma comissão eventual para discutir a dívida pública, mas foi chumbada com os votos do PS. Os votos favoráveis das bancadas comunista, bloquista e do deputado do PAN e a abstenção do PSD e CDS não chegaram para viabilizar o projecto de deliberação.