Precários que gerem fundos europeus exigem entrar no Estado

Parecer da DGAEP justifica vínculos temporários destes 500 trabalhadores, mas fonte ligada ao programa de regularização de precários do Estado garante que a sua situação “vai ser analisada”.

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Portugal 2020 é o programa de fundos comunitários em curso. Marco Duarte

As estruturas que gerem os fundos europeus alocados a Portugal têm mais de 500 trabalhadores precários – alguns há mais de duas décadas - que exigem ser admitidos no Estado através do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários da Administração Pública (PREVPAP). Em causa estão trabalhadores com contratos a termo resolutivo e de prestação de serviços que têm assegurado a execução dos fundos europeus desde 1989 e que, actualmente, integram as estruturas de missão que gerem os vários programas operacionais do Portugal 2020 e os organismos intermédios que também têm competências nesta área.

Sandra Gomes é uma dessas pessoas. Há quase 20 anos que trabalha com fundos estruturais através de um contrato a termo resolutivo. Já passou pelo Quadro Comunitário de Apoio (QCA) III, pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) e agora é jurista no Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (PO ISE).

A lei estabelece que os programas operacionais são geridos por estruturas de missão que, por terem uma natureza temporária, não podem ter um quadro de pessoal fixo. Com base nesse constrangimento, os trabalhadores necessários são recrutados por mobilidade ou através de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo. O problema é que de uns quadros comunitários para os outros, as estruturas de missão são reformuladas mas os trabalhadores vão transitando de umas para as outras, através de um despacho do Governo. Resultado: há mais de 500 pessoas com contratos precários, 89% há mais de seis anos, e que reclamam ver a sua situação resolvida, porque consideram que as “funções exercidas têm carácter permanente”, explica ao PÚBLICO Sandra Gomes, uma das promotoras do Grupo de Trabalhadores Precários dos Fundos Estruturais.

De acordo com o levantamento feito pelo grupo, estes trabalhadores cumprem todos os critérios de laboralidade previstos na lei para serem considerado trabalhadores por tempo indeterminado: cumprem um horário de trabalho definido pelo empregador, trabalham nas suas instalações, estão sujeitos ao seu poder hierárquico e têm uma remuneração que lhes é paga todos os meses.

Depois de terem permanecido “invisíveis” durante vários anos, em Novembro do ano passado (ainda antes de se conhecer o PREVPAP) alguns destes trabalhadores decidiram organizar-se e enviar uma exposição sobre a sua situação a vários membros do Governo, entre os quais os ministros das Finanças, Mário Centeno, e do Trabalho, Vieira da Silva. Ao mesmo tempo, pediram reuniões com os grupos parlamentares.

Para estes trabalhadores, “há uma total inadequação da figura do contrato a termo face aos pressupostos e à realidade”. “Desde o QCA I (1989/1993), até aos dias de hoje, no âmbito do Portugal 2020, passando pelo QCA II, QCA III, QREN, que o Estado português recruta e contrata trabalhadores a termo com fundamento na alegada transitoriedade das funções desempenhadas. Hoje, passados mais de 20 anos, facilmente se conclui que a realidade, as atribuições, as funções e o trabalho desenvolvido, tanto pelo Estado como pelos trabalhadores, nunca foram, não são, nem serão, temporários”, reforçam no documento que enviaram ao Governo e aos deputados.

A solução, defendem, passa por serem integrados na Agência para o Desenvolvimento e Coesão, responsável pela coordenação da gestão dos fundos comunitários em Portugal e que tem um quadro de pessoal permanente. “Entendemos que deveríamos ficar sob a alçada da Agência, que poderia ter um quadro de trabalhadores apenas afectos à gestão dos fundos”, propõe Sandra Gomes.

“Porque é que nós somos precários, se na coordenação [dos fundos] há pessoas com contratos por tempo indeterminado”, questiona, lembrando que o PREVPAP, que está prestes a arrancar, é uma oportunidade para que a situação destes trabalhadores seja regularizada.

Fonte ligada ao PREVPAP garantiu ao PÚBLICO que "a situação desses trabalhadores vai ser analisada". E, ao que o PÚBLICO apurou, foram dadas indicações para se fazer um levantamento das pessoas nesta situação, uma vez que o relatório que identificou os vínculos temporários na Administração Pública não contabilizou estes trabalhadores (à semelhança do que aconteceu com os que trabalham em outsourcing para organismos públicos).

Parecer da DGAEP preocupa

Contudo, há receios de que isso possa não suceder. Na sequência da exposição que em Novembro fizeram chegar ao ministro das Finanças, os trabalhadores dos fundos estruturais foram surpreendidos por um parecer da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) que lhes chegou às mãos no início de Abril.

Nesse parecer, a DGAEP lembra que as estruturas de missão não podem constituir relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado e que o contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo é o vínculo adequado a esta circunstância. Por outro lado lembra que estes contratos não podem converter-se em caso algum em contrato por tempo indeterminado. Caso sejam ilegais, são considerados nulos e os dirigentes dos serviços que os celebraram ou renovaram serão responsabilizados.

A DGAEP diz ainda que não é possível dissociar a natureza temporária das estruturas de missão dos recursos humanos que lhes estão afectos, que “não representam necessidades permanentes da Administração Pública”. Resumindo: estes trabalhadores não representam necessidades permanentes porque exercem funções em estruturas temporárias

É precisamente este ponto que está na origem dos receios dos precários dos fundos estruturais. Embora o parecer não tenha em conta o PREVPAP, os trabalhadores temem que ele condicione as decisões das comissões (a criar em cada ministérios) que irão avaliar se as pessoas reúnem as condições para aderirem ao programa de regularização.

“Não podemos ser excluídos do PREVPAP, tendo em conta o nosso histórico. Há trabalhadores que têm um contrato a termo certo assinado em 2001, em 2002, em 2003. Alguns antes disso”, alerta Sandra Gomes.

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