Comissário europeu: “Os antivacinas estão a pôr toda a gente em risco”

O comissário europeu da Saúde, Vytenis Andriukaitis, não tem dúvidas: “Certas vacinas — como a vacina contra o sarampo — devem ser obrigatórias.”

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Vytenis Andriukaitis: "As doenças infecto-contagiosas não têm fronteiras — estou preocupado com todas as pessoas em todos os países" Fábio Augusto
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O comissário europeu da Saúde e Segurança Alimentar com o ministro da Saúde português, em Março, no Porto Nelson Garrido

Quando foi ministro da Saúde na Lituânia, Vytenis Andriukaitis preparou o caminho para tornar as vacinas contra o sarampo, a rubéola e a poliomielite obrigatórias para as crianças que frequentassem creches públicas. Mas o projecto foi abandonado depois de deixar a pasta. Agora, aos 65 anos, é comissário europeu da Saúde e Segurança Alimentar e está a lidar com um novo surto de sarampo no espaço comunitário, que já afecta 14 países. Em Portugal foi registada a primeira morte em 23 anos. O responsável, em entrevista ao PÚBLICO por email, afirma que “as vacinas funcionam” e diz que “é irresponsável dizer o contrário”.

Vytenis Andriukaitis lembra que muitas das opções sobre o tema da vacinação cabem a cada país, mas sublinha que “as vacinas já salvaram mais vidas de crianças do que qualquer outra intervenção médica”. Por isso, o também médico admite que a sua posição pessoal é de que certas vacinas deviam ser obrigatórias, nomeadamente para crianças e profissionais de saúde, considerando que “os antivacinas estão a pôr toda a gente em risco”.

Como comissário, mas também como médico, como é que vê o surto de sarampo em toda a Europa?
Como médico, como pai e agora avô, estou preocupado. Como comissário, lamento que uma doença completamente prevenível se esteja a espalhar... já em 14 países. A Comissão está a acompanhar de perto o surto de sarampo e a trabalhar em conjunto com as autoridades nacionais para encontrar a melhor forma possível de lidar com o surto.

De que é que a sociedade já se esqueceu sobre a vida antes das vacinas?
É fácil tomar a imunidade como garantida quando felizmente temos assistido a grandes resultados nos nossos países. Os programas de vacinação são uma das maiores conquistas da saúde pública na Europa. Vivemos numa sociedade onde doenças como a poliomielite e a varíola foram erradicadas. Mas a imunidade de grupo está dependente de uma elevada taxa de cobertura vacinal.

Está particularmente preocupado com algum país?
As doenças infecto-contagiosas não têm fronteiras — estou preocupado com todas as pessoas em todos os países.

Como é a realidade no seu país?
Na Lituânia temos um plano nacional de imunização que é aplicado em todo o país. Todas as vacinas que sejam feitas de acordo com o calendário deste plano são gratuitas para os lituanos e para as crianças que vivam no país. Quando fui ministro da Saúde na Lituânia, dei início a uma lei para tornar a vacinação obrigatória para todas as crianças que entrassem em creches públicas. Infelizmente, isso não foi implementado depois de eu deixar o lugar.

Podemos confiar em todas as vacinas? São todas importantes?
As vacinas já salvaram mais vidas de crianças do que qualquer outra intervenção médica. Todas as vacinas que fazem parte de planos nacionais de imunização foram consideradas seguras e relevantes. São a melhor maneira para proteger os indivíduos e o grupo. Algumas pessoas não podem ser vacinadas por causa de algumas contra-indicações ou por condições médicas especiais que possam ter e a vacinação ajuda a criar um ambiente seguro para todos, mesmo para as crianças que não estão vacinadas devido a contra-indicações médicas. Um ambiente seguro é essencial para prevenir a propagação de doenças infecciosas ou de surtos. Fale com o seu médico.

Há dias, na sua conta na rede social Twitter, criticou fortemente as correntes antivacinação. Disse “shame on you antivaxers” (“tenham vergonha, antivacinas”). O que quer dizer a estas pessoas, especialmente aos que são pais?
As vacinas funcionam. É um facto, não é uma opinião. É irresponsável dizer o contrário. A Organização Mundial da Saúde diz que a vacinação é a medida mais efectiva para prevenir doenças infecciosas. A vacinação tem contribuído imensamente para melhorar a saúde humana e para elevar a qualidade de vida a um nível de civilização mais elevado. A vacinação das crianças deve estar no centro de uma vida saudável e feliz no seio de uma família. Para mim, nenhuma criança deve ser privada do direito a ser saudável. Por isso, nunca me canso de dizer aos pais, aos médicos e aos cidadãos: não se deixem enganar, por favor consultem apenas as informações cientificamente válidas sobre vacinas.

Custa-me ver estas doenças a voltarem quando existem vacinas eficientes e com uma relação custo-benefício comprovada. A hesitação perante a vacinação é um problema de saúde pública importante e em crescimento. Os antivacinas estão a pôr toda a gente em risco.

Em Portugal, tivemos na semana passada a primeira morte por sarampo. O que podemos aprender com este caso?
Lamento muito e as minhas condolências vão para a família. A minha mensagem é clara — a imunidade de grupo depende de uma alta taxa de cobertura vacinal e é por isso que estou tão preocupado com o aumento do cepticismo em relação às vacinas.

Os pais que não vacinam os seus filhos devem ser legalmente responsabilizados? Como?
A responsabilidade legal é uma questão muito complexa. Dentro do sistema das Nações Unidas temos a Convenção sobre os Direitos da Criança. Permita-me que leia esta parte: “Todas as acções relativas a crianças, sejam elas realizadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o superior interesse da criança.” Os países que ratificaram a convenção devem, por princípio, garantir “o gozo do maior nível de saúde possível”. Desta forma, nos Estados-membros que ratificaram esta Convenção, o Estado tem a responsabilidade de assegurar a saúde das crianças. Isto está enraizado na Constituição, pelo menos na Lituânia. Em Portugal não sei. Os mecanismos legais variam muito entre cada Estado-membro e por isso não posso dizer país a país como funciona.

Em Portugal temos conseguido uma boa taxa de cobertura mesmo sem um sistema obrigatório. Perante os acontecimentos recentes, a vacinação deve passar a ser obrigatória?
A minha opinião pessoal é que certas vacinas — como a vacina contra o sarampo — devem ser obrigatórias. Como já tinha dito, quando fui ministro da Saúde na Lituânia, o meu objectivo era tornar as vacinas contra o sarampo, a rubéola e a poliomielite obrigatórias para as crianças que estão nas creches públicas na Lituânia. Mas esta não é uma prerrogativa minha nem da Comissão. A decisão cabe às autoridades portuguesas.

Temos também profissionais de saúde que não estão vacinados. As vacinas também deviam ser obrigatórias nestes grupos?
Tal como referi, a minha opinião pessoal é de que certas vacinas devem ser obrigatórias. Mas essa é uma competência das autoridades nacionais.

Como é que as escolas devem lidar com as crianças não vacinadas? Devem proibir estas crianças de frequentar as aulas?
Esta é uma competência das autoridades nacionais.

Como comissário, como é que planeia agir para combater as correntes anti vacinas?
É importante reafirmar que a vacinação é uma responsabilidade dos Estados-membros, das autoridades nacionais. No entanto, a Comissão está empenhada em reforçar o apoio da União Europeia aos esforços nacionais.

Trabalharemos em conjunto com os Estados-membros para aumentar a consciência da opinião pública sobre a importância da vacinação e as possíveis consequências da não vacinação. Por exemplo, podemos promover a troca de dados e a partilha das melhores práticas, providenciando apoio técnico para as campanhas nacionais de comunicação em saúde e até mesmo disponibilizar ferramentas e aconselhamento científico.

A questão aqui não é apenas as vacinas. É a desconfiança sobre a ciência. Apesar da evidência científica de que as vacinas funcionam, as pessoas não acreditam na importância de vacinar as crianças. Todos nós temos de nos envolver e promover a ciência de forma pública. Se as pessoas não percebem ou não aceitam factos científicos básicos, então é muito difícil debater. Vou continuar a dar voz à ciência e às políticas com base na ciência e na evidência científica.

Tendo em consideração que as doenças e as epidemias não têm fronteiras, considera a possibilidade de avançar com um plano europeu de vacinação?
A vacinação é uma competência nacional e a Comissão fará tudo o que puder para ajudar as autoridades nacionais a reforçar a importância dos programas de vacinação em nome da saúde pública e a manter, ou até mesmo a melhorar, os elevados níveis de cobertura de vacinação na União Europeia.

Como?
Em estreita cooperação com os Estados-membros, através do Comité de Segurança da Saúde, que lida com as ameaças transfronteiriças para a saúde na União Europeia, estamos a trabalhar para ter uma resposta coordenada – incluindo actividades de apoiem os esforços dos países na imunização e também assistência técnica. Estamos também a trabalhar num processo de aquisições conjuntas, por exemplo como aconteceu na compra de vacinas contra a gripe pandémica, e em projectos e futuras acções conjuntas no âmbito do Programa de Saúde da União Europeia.

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