CMVM e ASF podem escapar a cortes nos salários dos reguladores

Cláusula nos estatutos que garante aproximação salarial ao Banco de Portugal protege reguladores financeiros dos cortes aprovados no Parlamento.

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A nova administração da CMVM, liderada por Gabriela Dias, tomou posse em Novembro Enric Vives-Rubio

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) têm margem para escapar às alterações à lei para reduzir os salários dos reguladores que foram aprovadas recentemente no Parlamento. Apesar de o PS defender que conseguiu uma “descida generalizada dos vencimentos em todas as entidades reguladoras” para um tecto máximo em torno de 11.600 euros brutos, se o Ministério das Finanças não quiser alterar os estatutos dos reguladores financeiros, nada os impede de manter a aproximação salarial ao Banco de Portugal (BdP) que conseguiram fixar nos estatutos, aprovados através de decreto-lei pela antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, dizem os juristas consultados pelo PÚBLICO.

"Prevalecem os estatutos, porque são legislação especial, e as alterações não têm valor reforçado porque foram aprovadas com maioria simples", comentou o advogado especialista em Finanças Públicas e Direito Fiscal e Financeiro, Eduardo Paz Ferreira. “Do ponto de vista substantivo [com as alterações à lei-quadro], não estamos a mudar nada em relação a estas entidades”, disse o sócio responsável pela área de Direito Público da Cuatrecasas, Duarte Abecasis. Existindo uma redacção “propositada” nos seus estatutos “para agarrar” estes reguladores ao BdP, nem a CMVM nem a ASF “têm necessidade de se precaver” contra alterações à actual política de remuneração, sublinhou Duarte Abecasis.

De acordo com dados recolhidos pelo Partido Ecologista Os Verdes junto da CMVM e da ASF, as remunerações brutas dos presidentes destas entidades atingem actualmente 17.539 euros e 15.691 mil euros, respectivamente. Contactadas pelo PÚBLICO, nenhuma delas quis comentar se aos seus administradores será aplicado o limite que será imposto às gestões dos reguladores da energia (ERSE), comunicações (Anacom), concorrência (AdC), saúde (ERS), águas e resíduos (ERSAR), transportes (AMT) e aviação (ANAC). Do lado do Governo, o mesmo silêncio. “Sobre este assunto nada a dizer neste momento”, foi a resposta do ministério liderado por Mário Centeno.

O PS admite que a situação da CMVM, presidida por Gabriela Dias, e da ASF, liderada por José Almaça, não foi sequer contemplada durante as discussões sobre as reduções dos salários dos reguladores desencadeadas na Comissão Parlamentar de Economia por propostas do Bloco de Esquerda, do CDS e dos Verdes. "A questão é pertinente”, disse ao PÚBLICO o deputado socialista Luís Moreira Testa, sem no entanto responder se os novos limites salariais vão estender-se aos supervisores financeiros. "O PS está disponível" para analisar esta matéria no "processo de implementação da lei", acrescentou o deputado.

Enquanto os outros reguladores têm previsto nos estatutos (tal como decorre da lei-quadro) que os vencimentos dos administradores deverão considerar o que é prática nos respectivos sectores de actividade, os da CMVM e da ASF fixam que as remunerações atenderão “às práticas habituais de mercado no sector financeiro, nomeadamente para os titulares das restantes autoridades de supervisão financeira”. A nuance permitiu a ambos assegurar (em decreto-lei) uma aproximação aos padrões salariais, mais altos, do supervisor financeiro (que fica fora da lei-quadro, por estar abrangido por normas europeias).

Assim, embora na prática a maioria dos reguladores registe níveis salariais próximos dos do vice-governador do BdP (com vencimentos que atingem valores brutos entre os 15 mil e 16 mil euros, com excepção do regulador da saúde, que se fica perto dos sete mil euros), apenas a CMVM e a ASF têm essa salvaguarda nos estatutos. O regulador dos seguros vai ainda mais longe porque os seus estatutos também prevêem que a fixação de remunerações considere “a participação da ASF no Conselho Nacional de Supervisores Financeiros”. Trata-se de um dado que ficará desactualizado no futuro, tendo em conta que uma das linhas da reforma da supervisão financeira anunciada pelo Ministro das Finanças passa precisamente pela extinção deste órgão presidido pelo BdP, onde têm assento a CMVM e a ASF.

Fonte do Executivo adiantou ao Público que neste momento não há qualquer compromisso, nem para aplicar limites, nem para excepcionar reguladores. Embora este cenário fosse possível em alguns casos, por “questões de competitividade”, a mesma fonte também notou que “não tem sentido manter situações” de excepção quando se negoceiam à esquerda limitações às remunerações.

A lei-quadro "não é uma lei de valor reforçado e, como tal, encontra-se em igualdade hierárquica com a competência legislativa do Governo”, o que significa que poderão existir sempre decretos-lei que “aprovem ou alterem estatutos de cada regulador e que possam dela divergir”, sublinhou o advogado da CCA Ontier, Tiago Leote Cravo. "Por razões de coerência legislativa, seria altamente indesejável que, fora os casos do BdP e da ERC, existissem regimes específicos divergentes" nas várias entidades, disse ainda o advogado, que entende que, para assegurar "ao máximo o propósito desta lógica de coerência e harmonização" salarial, uma alteração à lei para "estabilizar a questão da remuneração" dos administradores deveria estar reflectida em cada um dos estatutos dos diferentes reguladores.

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