Donald Trump apanhado na sua própria cortina de fumo

FBI desmentiu as gravíssimas acusações lançadas pelo Presidente dos EUA contra o seu antecessor no cargo.

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Através do seu porta-voz, Barack Obama negou as acusações lançadas por Donald Trump Reuters/© Carlos Barria / Reuters

Uma cortina de fumo é uma conhecida táctica militar empregue para enganar o inimigo e ocultar uma posição antes do ataque ou esconder o verdadeiro objectivo de uma campanha: uma manobra de diversão que Donald Trump e a sua equipa da Casa Branca são peritos em utilizar para (em jargão político) mudar uma narrativa que não lhe interessa. Mas como todas as tácticas que assentam na surpresa e ilusão, o “truque” perde a sua eficácia com a repetição. O Presidente dos Estados Unidos terá percebido isso agora, quando tentou desviar as atenções das notícias negativas sobre a teia de ligações da sua Administração à Rússia e deixou a América a suspeitar que “onde há fumo há fogo”.

A sucessão de tweets enfurecidos que o Presidente publicou no sábado de manhã, lançando gravíssimas acusações de espionagem contra o seu antecessor Barack Obama sem a preocupação em fornecer uma explicação ou vislumbre de prova, começou por cumprir o seu papel “diversionário” (essas acusações foram entretanto oficialmente desmentidas). Mas como bem sabia Trump, os media não poderiam ignorar, desvalorizar ou passar por cima das suas alegações, nada mais nada menos do que um escândalo de escutas políticas a la Watergate. “Terrível! Acabo de saber que Obama mandou pôr escutas na Trump Tower antes da minha vitória. Isto é macartismo!”, denunciou o Presidente.

E assim a cortina de fumo deixava para trás, e fora dos noticiários, a notícia que incomodava o Presidente. Até aí, a divulgação das reuniões do agora Procurador-geral Jeff Sessions com o embaixador da Rússia, Serguei Kisliak, alimentava todas as suspeitas sobre o tipo de relacionamento que Donald Trump manteve com o regime de Moscovo durante a campanha presidencial – um período em que, dizem os serviços-secretos americanos, hackers russos estiveram a piratear o comité nacional democrata e a campanha de Hillary Clinton. A exposição das mentiras de Sessions sobre esses encontros também punham em causa a sua legitimidade na condução das investigações em curso às tentativas do Kremlin para influenciar o resultado das eleições: o resultado, que segundo o The Washington Post deixou o Presidente enlouquecido, foi a escusa de Sessions de todos os processos relacionados com a campanha de 2016.

A ofensiva mediática de Trump teve o esperado efeito de choque e surpresa. Como escrevia o Washington Post, a tempestade de Trump no Twitter não foi mais um exemplo de um homem indisciplinado e imprevisível, pouco interessado em respeitar as convenções e regras institucionais. Para o diário da capital, chegou o momento de “pôr termo a essa ficção” de que Trump não tem noção de como se deve comportar um Presidente. “Ele sabe exactamente o que está a fazer, e o que está a fazer é tentar distrair-nos”, notou o especialista em política nacional James Hohmann.

Não é nada de novo: foi o que fez durante a campanha eleitoral, quando perante uma notícia negativa ou uma queda nas sondagens mudava o assunto e desviava o foco para os seus adversários, com teorias da conspiração, insinuações não fundamentadas ou simplesmente insultos – dos quais nunca se desculpou ou retractou. Também já o fez, e por mais do que uma vez, na Casa Branca: o ataque ao sistema judicial foi a sua defesa depois do controverso decreto anti-imigração; a classificação dos media como o “inimigo da América” foi a sua resposta perante as constantes fugas de informação que traçaram um retrato de uma Administração totalmente disfuncional.

Mas como sabem todos os mágicos e ilusionistas, não se deve insistir no mesmo número com a mesma audiência, porque chegará o momento em que ela vai perceber onde está o truque. A imprensa (e a opinião pública) americana já percebeu que, de cada vez que Donald Trump é ultrapassado pelos acontecimentos e se sente encurralado, tenta desviar a atenção – e a responsabilidade – de si próprio para um adversário ou inimigo, com tweets e declarações provocatórias ou acusações que remetem para uma realidade paralela, com muito pouco de real. Os efeitos colaterais deste modus operandi são tremendos e nefastos: a desvalorização da verdade factual, a descredibilização da presidência, a erosão da confiança da sociedade nas suas instituições e o aumento da polarização política que empurra as facções para os extremos.

No caso concreto das supostas escutas autorizadas por Obama aos seus escritórios na Trump Tower, o Presidente pode ter arranjado mais problemas do que estimava com a sua manobra de diversão – será que afinal foi apanhado nas escutas a falar com os russos? A sua exigência de abertura de uma investigação no Congresso não só poderá trazer para o domínio público depoimentos e documentos potencialmente comprometedores, como garantirá que as suas ligações suspeitas ao regime de Putin continuarão a ser notícia. Da mesma maneira que não deixou de seguir o rasto da Rússia, a imprensa não vai desistir enquanto não se souber exactamente o que está por detrás das acusações – que foram oficialmente desmentidas pelo director do FBI, James Comey – de um abuso dos poderes executivos por parte de Obama (que a ser verdade configuraria um crime).

O que quer dizer que, mais cedo ou mais tarde, a informação vai aparecer, e revelar se Donald Trump estava a falar verdade – ou se criou mais um facto para pôr em causa a legitimidade de Obama (como antes já tinha feito ao dizer que o Presidente não tinha nacionalidade americana). “Temos como Presidente um homem que é errático, vingativo, volátil, obsessivo, um mentiroso compulsivo e dado a acreditar em teorias da conspiração”, disse ao Washington Post o comentador e analista republicano Peter Wehner, que foi o principal consultor político de George W. Bush na Casa Branca. "E podemos ter a certeza de que ainda virá pior", acrescentou.

“O Towergate será um teste fascinante à grande aposta de Trump na forma totalmente nova com que desempenha as suas funções presidenciais: com uma grande dose de improviso e movido por caprichos, humores e obsessões; com uma equipa tão reduzida quanto a da sua campanha, que não consegue coordenar-se nem aproveitar a vasta rede de segurança à sua disposição; excessivamente dependente da família e sem se sentir constrangido pelas boas maneiras, os rituais ou o precedente”, escreve Mike Allen, o veterano repórter político de Washington que agora dirige o site de análise Axios.

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