Relação obriga Governo a entregar o plano de recapitalização da CGD de 2012
Novo acórdão da Relação manda levantar parte do sigilo profissional da Caixa para dar conhecimento aos deputados do plano de recapitalização concretizado pelo Governo PSD/CDS.
É a segunda decisão sobre a CGD no espaço de quinze dias e desta vez atinge o Ministério das Finanças. O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o gabinete de Mário Centeno tem de dar a conhecer à Assembleia da República o plano de recapitalização de 2012 do banco público, como tinha sido pedido pela comissão, e todas as auditorias da comissão interna, que todos os intervenientes têm recusado entregar por conter informação ao abrigo do sigilo profissional.
No acórdão, a que o PÚBLICO teve acesso, pode ler-se, novamente, que o Tribunal entende que estão em conflito “dois interesses públicos”, mas que, nas matérias em causa, o Ministério das Finanças tem de entregar os documentos pedidos, porque os direitos da comissão de inquérito se sobrepõem ao sigilo profissional.
“Confrontando-se o interesse de investigação da comissão parlamentar de inquérito que necessita de aceder a elementos de informação abrangidos pelo segredo profissional, estamos perante o conflito de dois interesses da ordem pública, sendo certo que, atendendo ao interesse de grande relevância da actividade da comissão parlamentar de inquérito, no apuramento da verdade, justifica-se que prevaleça o dever de cooperação do Ministério das Finanças, quanto às matérias referidas, em detrimento do sigilo profissional a que está obrigado, sendo o mesmo levantado, quanto ao imprescindível para esse objectivo”.
A comissão de inquérito pediu o plano de recapitalização de 2012, mas este ainda não tinha chegado por completo ao Parlamento. PS, PCP e BE defendem que esta recapitalização feita pelo anterior Governo foi "insuficiente". O conhecimento deste plano é importante para os dois lados, esquerda e direita. Por um lado, a esquerda argumenta que a recapitalização acabou por não resolver os problemas, e o PSD e o CDS que foi a recapitalização decidida pelos reguladores para a situação que a CGD atravessava.
Nas jogadas políticas na comisão, o PSD, como resposta, insistiu em pedir o actual plano de recapitalização. Contudo, este requerimento foi chumbado na semana passada pelos três partidos da esquerda por considerarem que se encontra fora do âmbito da comissão de inquérito.
O Ministério das Finanças terá ainda de entregar a cópia dos relatórios trimestrais da comissão de auditoria da CGD (4.º trimestre de 2012 até aos 3.º trimestre de 2016, os relatórios da Inspecção Geral das Finanças para o mesmo período.
Na mesma linha da decisão anterior, a Relação considera que a correspondência trocada entre o Ministério e as instituições europeias não deve ser entregue.
Relação vai avaliar reclamações sobre a Caixa Geral de Depósitos
Numa resposta enviada ao PÚBLICO esta tarde, o Tribunal da Relação de Lisboa revela que as reclamações e recursos que lhe chegarem vão ser avaliadas pelo colectivo de juízes. O PÚBLICO questionou aquele tribunal sobre as reclamações ou recursos que a Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Banco de Portugal (BdP) e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) interpuseram para evitarem ter de entregar todos os documentos pedidos pela comissão de inquérito à gestão da Caixa.
Na mesma resposta, a Relação diz que recebeu um pedido de “nulidade” da decisão. "Uma das entidades requerida invocou nulidade dessa decisão, que vai ser conhecida pelo colectivo que tomou essa decisão", responde a Relação. E acrescenta que "qualquer pedido que venha a ser feito pelas entidades requeridas será apreciado por esse colectivo", inferindo-se da resposta que ainda não chegaram as reclamações dos dois reguladores.
A Relação decidiu o mês passado que as três entidades tinham de entregar à Assembleia da República toda a documentação pedida pelos deputados, incluindo as listas com os maiores créditos ou a lista dos maiores créditos com imparidades. A CGD recusou entregar esta informação sobretudo por conter informação sigilosa sobre clientes. As três entidades acabar por alegar o sigilo profissional para não darem a conhecer as informações pedidas.
Perante a decisão da Relação, a CGD informou o Parlamento que iria recorrer da decisão e o governador do Banco de Portugal e a presidente da CMVM chegaram mesmo a ter uma reunião com o presidente da comissão de inquérito à Caixa a informá-lo que tinham reclamado, o que é diferente de recorrer da decisão.
Os dois reguladores pedem para ser ouvidos no processo, lembrando que é a primeira vez que um tribunal decide sobre o levantamento de parte do sigilo profissional, neste caso, do sigilo bancário.
Este processo está a dificultar a vida, já atribulada, à comissão de inquérito. A semana passada, os deputados tiveram duas tensas reuniões sobre a continuidade dos trabalhos com os três partidos da esquerda a travarem as audições pedidas por PSD e CDS, entre elas a de Armando Vara, que tinha sido incluída na lista de audições pelo BE e pelo PCP e tinha até pedido para ser ouvido.
Reunião de coordenadores
Esta terça-feira, reúnem-se os coordenadores de cada grupo parlamentar para decidirem se analisam ou não documentação enviada à CPI por António Domingues, ex-presidente da CGD. Os deputados tinham pedido a Domingues os emails trocados entre o administrador e o Ministério das Finanças que tivessem a ver com as condições que lhe foram dadas para aceitar o cargo e numa primeira fase, Domingues recusou entregar a documentação. Depois de a CPI o avisar que estaria a incorrer no crime de desobediência, fez chegar na semana passada ao Parlamento não só os emails pedidos como mais documentação - que o Ministério das Finanças disse ser "inexistente". Contudo, o presidente da CPI, José Matos Correia, assumiu “dúvidas” sobre a admissibilidade desses documentos e, a pedido dos partidos, não os chegou a distribuir, estando todos por enquanto em segredo.
Com Luís Villalobos
Notícia alterada às 17h29: especifica-se que o plano de recapitalização em causa é o de 2012