Afinal, de onde vêm os terroristas que atacam nos EUA? (à atenção de Trump)

Primeira resposta: não vêm dos sete países árabes muçulmanos cujos cidadãos foram proibidos de entrar no país por três meses. Segunda: também não são refugiados.

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Os factos são tantos que é difícil decidir por onde começar. Desde o 11 de Setembro, 12 pessoas estiveram por trás de atentados jihadistas nos Estados Unidos que fizeram vítimas, num total de 94 mortos – nenhum dos atacantes nasceu ou imigrou de um dos sete países incluídos na ordem do Presidente, Donald J. Trump, e cujos cidadãos estão agora impedidos de entrar no país. Há várias bases de dados: na de Alex Nowrasteh, do Cato Institute, que contabiliza ataques entre 1975 e 2015, já encontramos 17 nascidos nestes países envolvidos em atentados ou conspirações, mas nenhum matou uma só pessoa.

Os 12 terroristas dos tais ataques pós-Setembro de 2001 eram todos americanos ou residentes legais nos EUA e há anos que os principais académicos concordam que o maior risco vem mesmo de dentro. O mesmo, aliás, acontece nos atentados na Europa, ainda que alguns atacantes tenham passado por países na lista de Trump.

É verdade que Iémen, Iraque, Líbia, Síria, Somália e Sudão têm em comum estarem em guerra ou terem no seu território grupos terroristas activos que representam uma ameaça que transborda das suas fronteiras por integraram a chamada "jihad global". Daesh, Al-Qaeda, milícias Al-Shabab… O Sudão, tal como a Líbia de Kadhaffi ou o Iraque de Saddam, esteve anos na lista de “Estados que patrocinam terrorismo” do Departamento de Estado, mas Barack Obama retirou-o.

Falta um país, o Irão, que não está em guerra, nem tem grupos terroristas activos. É verdade que a República Islâmica financia organizações que os EUA consideram terroristas, como o Hamas ou o Hezbollah, mas estas não constituem ameaça directa aos EUA e aos americanos no interior do seu país. O que o Irão tem de particular é ter ensaiado nos últimos anos uma reaproximação a Washington e aos europeus contra a vontade de muitos no Partido Republicano e na nova Administração. Isso e ser o país do Médio Oriente onde os cidadãos mais simpatizam com os EUA, de acordo com todas as sondagens.

Dos 17 cidadãos dos países incluídos na ordem que estiveram por trás de planos ou ataques sem vítimas mortais entre 1975 e 2015, nenhum era líbio ou sírio – de acordo com um estudo de Nowrasteh, do CATO (Terrorismo e Imigração: Uma Análise de Risco, de Setembro) seis eram iranianos, seis sudaneses, dois somalis, dois iraquianos e um iemenita.

Tentemos de novo. Iémen, Iraque, Irão, Líbia, Síria, Somália e Sudão têm em comum serem países  muçulmanos. Há outras análises. Num texto de opinião publicado no New York Times, Norman L. Eisen e Richard W. Painter, presidente e vice-presidente do grupo Citizens for Responsability and Ethics, e advogados responsáveis pela ética na Casa Branca de Barack Obama e George W. Bush, respectivamente, escrevem que os países da lista “são relativamente pobres” e “têm em comum serem lugares onde a organização Trump praticamente não tem negócios”.

Antes de ser eleito, Trump prometeu “banir os muçulmanos” da sua América. Mas nos primeiros dias da entrada em vigor da ordem presidencial que lançou o caos nos aeroportos americanos, na sexta-feira 27 de Janeiro, o chefe de Estados e os seus aliados insistiram que esta suspensão temporária de entrada não tem nada que ver com religião. “[Pelo contrário,] o que fizemos foi focar-nos no perigo”, afirmou o ex-mayor de Nova Iorque Rudy Giuliani.

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A nova Administração insiste até que esta lista é do tempo de Obama – de facto, os sete já estavam numa lista de países descritos como “motivando preocupações” e quem os tivesse visitado a partir de 2010 estava excluído do ESTA, o programa que inclui 40 países, quase todos europeus, que permite entrar sem visto para estadias até 90 dias nos EUA – ou seja, se estes países motivavam precauções, essas já estavam tomadas.

Mas vamos aos motivos invocados por Trump na sua ordem e sublinhados em declarações públicas na última semana: no decreto, citam-se “centenas de indivíduos nascidos no estrangeiro condenados ou implicados em crimes relacionados com terrorismo”. Nowrasteh, do think tank conservador, só encontra uma justificação para esta referência – uma lista compilada pelo senador Jeff Sessions que diz conter 580 “condenações relacionadas com terrorismo” de pelo menos 380 imigrantes desde 2011.

O problema, escreve Nowrasteh no CATO, é que a lista do republicano do Alabama está cheia de erros, baseando-se em condenações por conspiração para cometer crimes fora dos EUA (só 6,8% seriam planos para atacar nos EUA) e em casos que começaram com dicas que sugeriam alguma actividade terrorista, mas de facto se provaram erradas (42%).

E a Arábia Saudita?

“Hoje não é dia 12 de Setembro de 2001”, lembra a Trump Faiza Patel, do Centro Brannon para a Justiça da Faculdade de Direito da Universidade de Nova Iorque. E se fosse? Trump cita na ordem os atentados de Nova Iorque e Washington, os maiores de sempre em solo americano, que fizeram 2983 mortos (de um total de 3432 nos 40 anos analisados por Nowrasteh). Ora, os terroristas que desviaram os aviões nasceram em três países e nenhum está na lista do Presidente americano: 15 eram sauditas, dois egípcios e dois vinham dos Emirados Árabes Unidos.

Numa entrevista no mesmo dia em que assinou o decreto a banir a entrada de cidadãos destes sete países por três meses e de todos os refugiados por quatro (para os sírios, por tempo indeterminado), Trump deu uma entrevista à ABC em que voltou a justificar a sua medida com o 11 de Setembro e juntou-lhe o atentado de San Bernardino, em Dezembro de 2015, quando o casal Syed Rizwan Farook e Tashfeen Malik matou 14 pessoas numa festa de Natal do Departamento de Saúde Pública da cidade californiana.

“Viram o que acontecem em San Bernardino? Viram o que aconteceu no World Trade Center, ok? Quer dizer, isto é um exemplo. As pessoas não falam disto.” Ora, os atacantes do 11 de Setembro vieram da Arábia Saudita, do Egipto e dos Emirados; Farook nasceu nos EUA e a sua mulher, que entrou no país com um visto para quem está noivo ou noiva de um americano, nasceu no Paquistão e viveu quase toda a vida… na Arábia Saudita.

Cubanos e 1970

Entre 1975 e 2015, “as probabilidades de um americano ser morto num ataque terrorista cometido por um estrangeiro foram de 1 em 3,6 milhões por ano”, escreve Nowrasteh. “Terrorismo de cidadãos estrangeiros é um risco”, admite o analista, um “risco controlável tendo em conta os enormes benefícios da imigração e os custos do terrorismo”.

Quanto aos refugiados, a sua inclusão na lista “responde a uma ameaça-fantasma”, escreve. Nas últimas quatro décadas, só 20 dos 3,25 milhões de refugiados acolhidos nos EUA estiveram envolvidos em algum crime ligado a terrorismo. Três americanos foram mortos por refugiados, todos nos anos 1970 – os atacantes eram cubanos.

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