Governo romeno não cede aos protestos e mantém lei que despenaliza a corrupção
Executivo é acusado de legislar para se proteger. Presidente apela ao Tribunal Constitucional. Bruxelas avisa que decreto pode levar a perda de fundos.
Manifestantes pedindo uma revolução nas ruas e em números sem precedentes nos últimos 25 anos, uma demissão explicada pelo Facebook, um Presidente contra um Governo, um Parlamento que aprova de emergência, às dez da noite, uma lei que facilita a corrupção, e a União Europeia a dizer que poderá cortar fundos - a pressão sobre o Executivo da Roménia devido à aprovação da lei que descriminaliza abusos de poder está a aumentar, mas os governantes dizem que não cedem.
O anúncio de que o Governo pretendia aprovar esta legislação já vinha a ser recebida com protestos nas ruas. Mas quando o Parlamento a aprova, na terça-feira à noite, sem dar informação sobre ela, centenas de pessoas começaram a ir espontaneamente para a rua protestar. No dia seguinte contavam-se mais de 250 mil pessoas nas manifestações.
O Governo diz que a lei é necessária para fazer diminuir a população prisional, uma vez que há sobrelotação nas prisões.
O decreto descriminaliza o abuso de poder e o enriquecimento ilícito que leve a ganhos menores do que 200 mil lei (quase 45 mil euros) e aplica-se retroactivamente – irá beneficiar, por exemplo, o líder do partido Social-Democrata, Liviu Dragnea (que só não é primeiro-ministro devido a uma condenação, com pena suspensa, por fraude eleitoral).
Outras provisões da lei estabelecem uma redução para metade das sentenças de pessoas idosas ou com doenças terminais (qualquer que tenha sido o crime) e amnistias para outros casos.
O Governo acusou a pressão nas ruas e esta quinta-feira um ministro demitiu-se: o responsável pela pasta do Comércio, Florin Jianu, declarou através do Facebook que saía por razões "éticas". "Fi-lo pelo meu filho. Como iria olhá-lo nos olhos? Dir-lhe-ia que o pai foi um cobarde e apoiou acções em que não acredita?”
Um vice-ministro dos sociais-democratas, Mihai Chirica, também defendeu que o Governo deveria anular o decreto. Mas questionado por jornalistas, o primeiro-ministro, Sorin Grindeanu (social-democrata), garantiu que o Executivo não tinha quaisquer intenção de recuar. E Dragnea reafirmou que o partido e o Governo estão unidos nesta questão.
Não houve comentários sobre o afastamento temporário do ministro da Justiça, Florin Iordache, que irá para já ser substituído, segundo um porta-voz. Iordache disse que este afastamento nada tinha a ver com o decreto em questão, apenas com a preparação de um debate parlamentar sobre o Orçamento.
Tribunal Constitucional analisa
Do outro lado da barricada, o Presidente do país, Klaus Iohannis (do campo político oposto), anunciou que pedirá ao Tribunal Constitucional para analisar o decreto – a última possibilidade legal de o travar. O Tribunal deu ao Governo e aos magistrados (que já emitiram um parecer negativo, não vinculativo) uma semana para submeter os seus argumentos e prometeu um veredicto 20 dias depois.
As reacções não têm surgido só do campo interno mas também de fora: o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, avisou, num debate de emergência sobre a questão, que se o Governo não “reconsiderasse” a sua posição e a lei fosse adoptada isso poderia “afectar” os fundos europeus que a Roménia recebe.
Antes, já Timmermans e o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, tinham expressado preocupação numa declaração conjunta, dizendo que “a luta contra a corrupção tem de avançar, não recuar”.
Nas manifestações desta quarta-feira, um grupo ligado a claques de futebol juntaram-se aos manifestantes e lançaram petardos e outros projécteis contra a polícia, que respondeu com gás lacrimogéneo. Oito pessoas ficaram feridas e 20 pessoas foram detidas.
Depois do início dos confrontos, a maior parte dos manifestantes saíram do local, muitos viram estes incidentes como uma provocação destinada a acabar com os protestos pacíficos.
"Um dia acordamos sem instituições"
O jornalista romeno Cristian Stefanescu explicou à emissora alemã Deutsche Welle que as motivações dos manifestantes são muito diferentes: há quem queira apenas impedir esta lei, e há quem queira a queda do Governo.
Para muitos, esta é uma ameaça à democracia: “Se aceitamos que possam aprovar decretos de emergência sem transparência, amanhã farão pior”, disse a jurista Laura Stefan à agência Reuters. “Um dia acordamos sem instituições.”
Os sociais-democratas (centro-esquerda) lideram um Governo de coligação e que participa o Partido Liberal, uma coligação que assumiu funções há menos de um mês.
O partido social-democrata venceu as eleições de Dezembro do ano passado, depois de um período de Governo tecnocrata. Este tinha substituído o anterior Governo também social-democrata, que caiu no final de 2015 depois de protestos motivados por um incêndio numa discoteca de Bucareste em que morreram 64 pessoas. O resultado dramático foi visto como consequência directa de corrupção e da impunidade: o local não tinha saídas de emergência e desrespeitava outras regras de segurança.