Não há perguntas, não há notícias: Jornal de Barcelos deixa página em branco
“Os jornalistas não são pés de microfone”, diz o director do órgão de comunicação social.
O semanário Jornal de Barcelos publicou, esta quarta-feira, uma página quase toda em branco, num espaço que estava dedicado a uma notícia que resultaria de uma conferência de imprensa, na qual, no fim, os jornalistas não puderam fazer perguntas. “Não são conferências de imprensa se não é permitido fazer perguntas”, explica Paulo Jorge Vila, director daquele órgão de comunicação, acrescentando que a publicação não se encontra disposta a colaborar "com este tipo de comportamentos”.
No espaço em branco aparece uma nota da direcção que começa por explicar que o convite para a conferência foi feito pela "Comissão Técnica Eleitoral (CTE), que vai organizar as eleições autárquicas do PS" para que fossem apresentados os membros do partido e que, dado o interesse na matéria, o jornal adiou o fecho da edição para estar presente. No final dos discursos feitos pelo presidente da Câmara de Barcelos, Miguel Costa Gomes, e pelo secretário nacional do PS José Manuel Mesquita, este último convidou os jornalistas a sair, sem que pudessem colocar questões.
“Não foi em momento algum referido no convite que não poderiam fazer perguntas. Não nos foi dado o direito de escolha”, diz o director do Jornal de Barcelos, acrescentando que caso lhes tivesse sido dito, não teriam ido à conferência. Segundo o director, a jornalista do semanário Zita Fonseca manifestou-se contra a decisão na hora, uma vez que “havia muitas perguntas a fazer”; também o presidente da Câmara mostrou-se desfavorável à decisão.
“Para marcar este protesto, o espaço reservado à publicação da notícia segue em branco”, lê-se na nota da direcção, explicando que o jornal optou por não referir o teor dos discursos de José Manuel Mesquita e de Miguel Costa Gomes. Na mesma nota é dito que “o jornalismo se faz através da confrontação de factos e realidades e do exercício do contraditório”, não sendo os jornalistas “meros receptáculos ou caixas de ressonância”.
“Há que combater esta censura que se procura impor aos jornalistas”, declara Jorge Vila, director desde 2011, considerando que foram “impedidos de fazer jornalismo livre”. O PÚBLICO tentou contactar José Manuel Mesquita mas não obteve resposta.
Boicote aprovado no Congresso de Jornalistas
Uma das propostas aprovadas no 4.º Congresso de Jornalistas foi o boicote a conferências de imprensa em que os jornalistas não tenham direito a fazer perguntas. A presidente do Sindicato de Jornalistas, Sofia Branco, diz ver esta decisão do Jornal de Barcelos “com muito agrado”, pois considera que “o papel do jornalista não é ir assistir a coisas, é fazer perguntas”. Para Sofia Branco, nos casos em que não é permitido fazer perguntas, os jornalistas “têm um papel fantasma”, sendo uma atitude “que não ajuda o jornalismo nem a informação pública”.
“Fomos os primeiros a dar voz a uma decisão estabelecida no último congresso de jornalistas”, diz por seu lado Paulo Jorge Vila, acrescentando que tal foi uma “coincidência”, uma vez que o teriam feito mesmo que esta medida não tivesse sido aprovada em Lisboa, em meados de Janeiro deste ano.
A presidente do Sindicato dos Jornalistas considera esta medida muito importante para o exercício da profissão, admitindo "ser curioso" que este primeiro efeito das decisões tomadas no congresso se tenha sentido na imprensa regional. Sofia Branco diz ainda que quem proíbe os jornalistas de fazer perguntas só pode ser alguém “que vive mal com a liberdade de imprensa”.
Paulo Jorge Vila esclarece que não tiveram qualquer reacção por parte do PS, mas admite que espera ter. Por outro lado, revela que recebeu muitas mensagens por parte de leitores e de jornalistas, dando os parabéns ao Jornal de Barcelos "pela coragem".