Maioria pela retirada da referência ao aborto no 2.º ciclo de escolaridade

Consulta pública dominada por signatários da petição que se opõem a que a Interrupção Voluntária da Gravidez seja um dos temas em referência para crianças entre os 10 e os 12 anos. Já a Confap não se opõe, mas não participou na consulta.

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No referencial da Educação para a Saúde são listados temas para serem abordados nos diferentes níveis de escolaridade Daniel Rocha

A esmagadora maioria dos que participaram na consulta pública sobre o novo Referencial da Educação para a Saúde pronunciou-se contra a abordagem da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no 2.º ciclo de escolaridade. Segundo o Ministério da Educação (ME), foram recebidos mais de sete mil emails individuais, no âmbito de uma petição pela retirada da IVG do guião para os alunos entre os 10 e os 12 anos. Chegaram ainda outros 39 contributos, 11 dos quais oriundos de entidades públicas.

Um deles, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, vai no mesmo sentido da petição. O ME escusa-se, por agora, a dizer se acatará ou não a opinião desta maioria. Só no final do mês é que deverá estar concluído um primeiro documento com as alterações decorrentes deste processo, refere.

No referencial sugere-se que, no 2.º ciclo do ensino básico, os alunos identifiquem métodos contraceptivos e a sua importância na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de uma gravidez indesejada, e que aprendam a distinguir uma interrupção voluntária da gravidez de uma interrupção involuntária.

“É um verdadeiro absurdo ensinar crianças que é legítimo e justo matar bebés no ventre materno”, proclama-se no texto da petição que, no âmbito da consulta pública do novo referencial, foi enviado para o correio electrónico da Direcção-Geral da Educação (DGE) por cada um dos seus então 7628 subscritores. Actualmente a petição “Aborto como ‘Educação Sexual’ em Portugal? Diga Não” já vai em cerca de 9500 assinaturas.

Também a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas defende, no seu parecer, que o referencial deve “preconizar diferentes modelos de ensino para a saúde em função das opções educativas dos pais, ou abster-se de propor modelos que, por exemplo, no campo da educação sexual representam uma visão ideológica e parcial do ser humano e do seu desenvolvimento enquanto pessoa”.

Já a Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) não levanta objecções a que o tema seja abordado no 2.º ciclo.

“Não nos choca, mas esperamos que haja especial cuidado no modo como a questão irá ser abordada”, resume o líder da Confap, Jorge Ascenção. “É muito mais grave que as crianças tenham toda a informação à distância de um clique sem terem ninguém habilitado para lhes explicar e enquadrar”, acrescenta.

Existir já é bom

A Confap não chegou a formalizar a sua opinião por escrito. Ascenção diz que houve conversas com responsáveis da DGE, onde também defenderam uma “maior envolvimento dos centros de saúde e das famílias” na aplicação do novo referencial.

Para Margarida Gaspar de Matos, coordenadora em Portugal do grande estudo sobre a adolescência promovido, de quatro em quatro anos, pela Organização Mundial de Saúde (Health Behaviour in School-Aged Children), o “problema não é abordar (ou não) a IVG, mas sim em que contexto aparece inserida esta problemática” ou seja, especifica, “a questão que se coloca é a da organização de conteúdos que poderá fazer (ou não) com que este tema venha a propósito”.  

No referencial listam-se temas como a violência, a alimentação, o sedentarismo, a morte, a educação sexual, entre muitos outros, para serem abordados nos vários níveis de escolaridade, a começar no pré-escolar. Define-se também quais os objectivos que devem presidir a estas abordagens. 

“A maior força deste documento é existir”, comenta Margarida Gaspar de Matos. O novo referencial “está a ser forjado há cerca de três anos entre ministérios (Saúde e Educação) e finalmente existe. É uma boa notícia para os professores, pais e estudantes”, acrescenta.

A investigadora considera, contudo, que se perdeu “uma oportunidade histórica” ao não fazê-lo acompanhar por uma espécie de “manual de instruções e sugestões de dinâmica de funcionamento”. E alerta também para eventuais riscos.

“A grande ameaça (e não foi nada que nunca se tenha visto antes) é que o documento seja aprovado e engavetado. Outra grande ameaça (e não foi nada que também nunca se tenha visto antes) é que o referencial seja usado para as direcções-gerais [da Saúde e Educação] pressionarem os profissionais a colocar ‘vêzinhos significando feito’ por ali abaixo e respirarem de alívio”, resume Margarida Gaspar de Matos, para frisar a este respeito: “Seria o mesmo que quase nada, uma mera obrigação administrativa, um desperdício!”

Quase não há ginástica no 1.º ciclo

O Conselho Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física (CNAPEF) considera que a aplicação do novo Referencial da Educação para a Saúde “é uma boa oportunidade para reforçar a importância da prática de Educação Física para todos os alunos, sem excepção”.

No parecer que entregou no âmbito da consulta pública do documento, que terminou em Dezembro, a CNAPEF lembra a propósito que esta prática é quase inexistente no 1.º ciclo de escolaridade, embora conste do currículo nacional, o que considera como “uma imensa contradição” face ao que se pugna neste referencial em relação à importância da actividade física e dos malefícios do sedentarismo.

Segundo o CNAPEF, a área curricular da Educação Física “pode desempenhar um papel fundamental na promoção e educação para a saúde” já que são nestas aulas (e também do Desporto Escolar) que “a importância da actividade física deixa de ser uma abstracção e passa a ser uma realidade para todos os alunos”. Por isso, volta a defender o aumento da carga horária da disciplina de Educação Física.

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