Tiro da Relação atinge sigilo bancário da Caixa
Decisão da Relação de levantar sigilo bancário sobre documentos "fragiliza" a Caixa, defende o PCP. PSD e CDS saúdam decisão. Para já não há ninguém a recorrer da decisão.
Todos os documentos relativos à actividade e à fiscalização da Caixa Geral de Depósitos desde o ano 2000 que tenham sido pedidos pelos deputados vão ter de ser do conhecimento do Parlamento. A decisão inédita do Tribunal da Relação vai obrigar as várias entidades a enviarem à Assembleia da República os documentos levantando assim o sigilo bancário sobre este assunto, com excepção para a "correspondência" entre as partes. Mas nos partidos não há consenso sobre se a decisão do Tribunal da Relação é boa ou má. E por enquanto nem os partidos nem as entidades envolvidas decidiram sobre se vão recorrer da sentença.
O assunto volta a ser político mas poderá ter implicações para a própria Caixa. Para o PCP, esta decisão "vai certamente fragilizar a Caixa", diz o deputado Miguel Tiago, uma vez que há informação sensível para um banco em funcionamento que ficará mais desprotegida. Em causa estão auditorias inernas do banco público, e listagens de créditos com dados específicos sobre clientes, como por exemplo a situação dos 50 maiores devedores do banco e dos 50 m incumprimento, mas também a listados créditos superiores a 1 milhão de euros e os 50 acima deste valor que estejam em incumprimento. Dados que a CGD não enviou para o Parlamento porque contém informação confidencial.
Agora, tanto a CGD como o Banco de Portugal (BdP) e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários têm de entregar toda a documentação. Para o PSD foi "um dia histórico", disse o deputado Hugo Soares no Parlamento. E para o CDS é "muitíssimo relevante", disse Nuno Magalhães. O BE considera o mesmo, mas o deputado Moisés Ferreira lamenta que não inclua a correspondência trocada entre as entidades. "Pode ser uma limitação", diz. O PS não comentou o assunto, mas não é certo que o partido fique de braços cruzados, até porque os socialistas não acompanharam a decisão de envio para a Relação.
Entidades não decidiram ainda se recorrem
A decisão da Relação provocou um muro de silêncio junto das partes envolvidas. Os dois reguladores, o BdP e a CMVM, não responderam às perguntas do PÚBLICO, nomeadamente sobre se iam contestar a decisão ou acatar. Seja como for, ontem alguns dos envolvidos ainda não tinham recebido a sentença, cuja análise será feita pelos respectivos departamentos jurídicos.
Quando à CGD, após questionada sobre a hipótese de a decisão poder trazer danos reputacionais, por ser obrigada a divulgar dados internos, ligados aos clientes (e que podem ser úteis, no imediato, à concorrência), fonte oficial comentou apenas que o banco não estava a prestar informações sobre esta matéria. Da mesma forma, também a Associação Portuguesa de Bancos se remeteu a silêncio sobre possíveis danos reputacionais para a CGD, que, tal como o resto do sector, tem um negócio que depende muito do sigilo.
Caso não conteste a decisão da Relação, o banco público pode sempre tentar remeter a informação pedida, mas de forma a que não se identifique as partes envolvidas, como aliás já o fez com outros documentos. Acresce ainda que pode haver a decisão de só os deputados terem acesso aos documentos sob sigilo e não o público em geral. Já em anteriores comissões de inquérito, os deputados ficaram sujeitos a regras mais apertadas, não podendo divulgar o conteúdo, consultando esses documentos numa sala sem poderem ser fotocopiados. E quando tinham de questionar responsáveis sobre estes assuntos, fizeram-no à porta fechada.
Esta decisão levanta também questões para o próprio funcionamento das comissões de inquérito, uma vez que a Relação defende que quando houver dúvidas sobre o levantamento do sigilo bancário, o inquérito parlamentar não tem poderes para o impor. Acresce ainda que esta decisão diferencia a documentação, deixando a salvo da quebra do sigilo a correspondência e nos inquéritos parlamentares anteriores muitas responsabilidades foram possíveis de apurar através de cartas oficiais entre os actores ou emails trocados. "Estamos a falar de correspondência de trabalho. São documentos, não se pode excluir", defende o deputado Miguel Tiago. Com Luís Villalobos