Ricardo Salgado impedido de se ausentar para o estrangeiro e contactar outros arguidos
Antigo banqueiro foi constituído arguido esta quarta-feira no processo que envolve José Sócrates.
Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, foi ouvido pelo juiz Carlos Alexandre no âmbito da Operação Marquês, ficando sujeito à "proibição de ausência para o estrangeiro sem prévia autorização e de proibição de contactos com os restantes arguidos bem como com algumas pessoas e entidades com ligações ao Grupo Espírito Santo", revela um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ricardo Salgado é suspeito de ter corrompido o ex-primeiro-ministro José Sócrates para que este beneficiasse o grupo que o antigo banqueiro controlava na altura.
À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, o ex-presidente do BES manifestou-se "surpreendido" por ter sido interrogado esta quarta-feira como arguido na Operação Marquês, mas sublinhou estar "sempre disponível" para colaborar com a Justiça. "Eu continuo a colaborar com a Justiça. [Estive] sempre disponível para colaborar com a Justiça desde o primeiro dia", afirmou Ricardo Salgado aos jornalistas, citado pela Lusa. Neste momento, o antigo banqueiro é arguido em, pelo menos, mais dois processos: a queda do Grupo Espírito Santo (GES) e o Monte Branco, que investiga um esquema de lavagem de dinheiro.
Salgado saiu por volta das 17h15 desta quarta-feira do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), em Lisboa, onde esteve a ser interrogado, e dirigiu-se de imediato para o Tribunal Central de Instrução Criminal, onde entrou uns minutos depois. A PGR informou num comunicado que pedira o interrogatório judicial de Salgado, sem adiantar se o mesmo ainda se realizava esta quarta-feira.
O antigo presidente do BES esteve a ser ouvido durante várias horas, na qualidade de arguido, no DCIAP, em Lisboa, pelo procurador Rosário Teixeira e por Paulo Silva, inspector da Autoridade Tributária. "Na sequência deste interrogatório, o Ministério Público requereu ao juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal o interrogatório judicial do arguido, tendo em vista a aplicação de medida de coacção diversa do termo de identidade e residência", adianta a PGR. O termo de identidade e residência - a obrigação de dar uma morada para onde se será notificado de qualquer assunto relacionado com o processo - é aplicado a todos os arguidos e é a única medida de coacção que pode ser aplicada pelo Ministério Público. Todas as outras (proibição de contactos, caução, prisão preventiva, entre outras) são decididas por um juiz de instrução, após um pedido do Ministério Público.
O interrogatório ocorreu numa altura em que a investigação centrada em Sócrates está na fase final, tendo a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, determinado que o processo tem de estar concluído até meados de Março.
A audição de Salgado no DCIAP foi avançada pela SIC e confirmada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), através de um comunicado. "Ricardo Espírito Santo Silva Salgado foi, esta manhã, constituído arguido e encontra-se a ser interrogado pelo Ministério Público, no âmbito da designada Operação Marquês", lê-se na nota.
O arguido, diz ainda a PGR, é suspeito de factos susceptíveis de integrarem os crimes de corrupção, abuso de confiança, tráfico de influência, branqueamento e fraude fiscal qualificada.
Processo tem 20 arguidos
O processo Operação Marquês conta actualmente com 20 arguidos (15 pessoas singulares e cinco colectivas), entre os quais José Sócrates, que esteve preso preventivamente mais de nove meses, e que está indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para acto ilícito.
No centro da investigação estão os mais de 23 milhões de euros reunidos pelo amigo de infância de Sócrates, Carlos Santos Silva, na Suíça e que este transferiu para Portugal, uma pequena parte em 2004 e a esmagadora maioria em 2010 e 2011. Nessa altura, o dinheiro foi declarado por Santos Silva a nível fiscal no âmbito dos Regimes Excepcionais de Regularização Tributária I e II. O Ministério Público tem estado a seguir o circuito do dinheiro reunido na Suíça e acredita que os milhões são na realidade de Sócrates.
Inicialmente o Ministério Público apontava as suspeitas de corrupção apenas para o grupo Lena, defendendo que vários milhões que chegaram às contas da Suíça eram a contrapartida pela intervenção de Sócrates, enquanto responsável político, no desenvolvimento dos negócios daquele grupo, nomeadamente a construção de casas pré-fabricadas na Venezuela, as concessões rodoviárias, o projecto do TGV e as obras do Parque Escolar.
Em 2015, a investigação conseguiu encontrar aquilo que considera ser a origem do dinheiro, mantendo as suspeitas de corrupção relativas ao grupo Lena ligadas a apenas a 2,9 milhões de euros que tiveram origem no grupo e passaram pela conta do administrador Joaquim Barroca. O facto de se ter descoberto que 12 milhões de euros que também passaram por aquelas contas terem tido origem em offshores controladas por Hélder Bataglia, administrador da ESCOM, uma empresa do Grupo Espírito Santo, abriu uma nova frente de suspeitas, relacionadas com o empreendimento de Vale de Lobo, no Algarve.
Mais tarde, o Ministério Público sustenta que as transferências financeiras feitas pelas offshores controladas por Bataglia foram o pagamento de uma “vantagem indevida” a Sócrates para este, enquanto primeiro-ministro, favorecer o GES. Na carta rogatória enviada para as autoridades angolanas a solicitar a constituição de arguido de Bataglia e o seu interrogatório, não é dito em que situação concreta terá ocorrido esse favorecimento, referindo-se apenas “em particular com respeito ao envolvimento do GES no grupo Portugal Telecom”. É no quadro destas últimas suspeitas que Ricardo Salgado, antigo líder do GES, está a ser ouvido.
Curioso, é o que interrogatório do antigo banqueiro, ocorre menos de duas semanas depois da segunda audição de Bataglia, que, deste vez, veio a Portugal depor perante os titulares do inquérito. Isto depois do Ministério Público ter cancelado os mandados de captura internacional que emitira em seu nome, uma das condições impostas pelo empresário luso-angolano para vir a Portugal. Em Abril do ano passado, o administrador da ESCOM tinha prestado declarações sobre este caso em Angola, desmentindo ter dado qualquer vantagem a Sócrates, quer de forma directa, quer indirecta.
O inquérito conhecido como Operação Marquês foi aberto em Julho de 2013, tendo terminado em Outubro de 2015 o prazo limite para a sua conclusão. Tal determinou apenas que o processo deixasse de estar em segredo de justiça para os suspeitos e assistentes do caso, já que a lei não prevê mais nenhuma consequência para o não cumprimento desses prazos. Em Março do ano passado, o director do DCIAP, Amadeu Guerra, estabeleceu 15 de Setembro desse ano como data limite para a conclusão do caso. Mas, o prazo acabou por ser prolongado pela procuradora-geral, depois de um pedido dos titulares da investigação que argumentaram que faltava analisar documentação importante, parte dela apreendida apenas em meados de Julho, e de ainda se aguardar a resposta a alguns pedidos de cooperação internacional.