A história do relatório polémico sobre Trump
Não foi feito por agências de espionagem nem foi encomendado por Moscovo. Na sua origem estão os rivais de Trump dentro do Partido Republicano.
Além de Donald Trump, o nome de outro republicano estava na manhã desta quarta-feira em praticamente todas as notícias relativas ao controverso relatório sobre as actividades do Presidente eleito dos EUA — o de John McCain, presidente do comité das Forças Armadas do Senado.
O senador do Arizona, que nunca escondeu a sua aversão a Trump, entregou o dossier ao director do FBI, em Dezembro, escreveram os jornais. Mas McCain, tudo indica, é apenas uma etapa nas muitas voltas que o documento deu desde que começou a ser produzido até ter chegado às manchetes.
O relatório foi encomendado a uma empresa de investigação por republicanos opositores de Trump durante as primárias do partido. Um homem identificado como ex-espião britânico em Moscovo deu início ao seu trabalho de recolha de informações. Quando as primárias terminaram, e Trump se tornou candidato, a mesma empresa e o mesmo investigador continuaram a fazer o trabalho, só que mudou o empregador — trabalhavam, agora, para democratas, o que não quer dizer que tivesse sido a campanha de Hillary Clinton, diz o USA Today.
Segundo a CNN, toda esta espionagem a Trump acabou por revelar, a dado momento, que a sua equipa mantinha relações próximas com Moscovo desde 2015 e que os russos estavam na posse de dados comprometedores sobre o Presidente eleito — de teor privado e financeiros.
Segundo a CNN, em Julho de 2016, um antigo colaborador de Trump, Carter Page, encontrou-se com uma pessoa identificada como “Divyken”, enviada do Kremlin. Os dois homens discutiram a existência de material comprometedor sobre Hillary Clinton, mas no encontro também foi mencionada informação sobre Trump. As informações sobre Clinton não foram passadas aos homens de Trump.
Prossegue o USA Today que as conclusões do ex-espião — ou seja, o conjunto de memorandos que ia entregando a quem o contratou — “corriam tão livremente em Washington [quer nos meios políticos, quer nas redacções] que as agências de espionagem entenderam ser necessário fazer chegar a informação a Obama, a Trump e a oito senadores e congressistas”. O que foi feito em Dezembro.
Foi nesta altura que a notícia chegou a John McCain. Que, ao saber dos contactos Trump-Moscovo — e da existência da informação que poderia deixar Trump refém de Vladimir Putin — “enviou um emissário ao outro lado do Atlântico para se reunir com a fonte”. Os memorandos continham sobretudo informação não verificada, alguns dados errados e muita coisa impossível de confirmar. Mas a credibilidade da fonte — e o facto de ter sido o único a dizer que a simpatia de Trump pela Rússia podia ter motivos ocultos — levou McCain a decidir entregar o relatório ao FBI; que, dizem os jornais, já o tinha.
O senador, que segundo um amigo que falou com o Guardian estava relutante em envolver-se no assunto — é um opositor declarado do Presidente eleito, e receava ser acusado de estar a prejudicá-lo de propósito —, deu o relatório ao director do FBI, James Comey, a 9 de Dezembro de 2016. De seguida, anunciou que a cibersegurança e a ciberespionagem eram as suas novas prioridades e marcou uma audiência no Senado para ouvir o chefe dos espiões, James Clapper. McCain queria que Trump parasse de criticar e menorizar a missão das agências de espionagem americanas.
Tudo se precipita a partir daí: Clapper confirma a espionagem russa e, na tarde de 13 de Dezembro, entrega a Trump o relatório sobre o tema, obrigando este a admitir pela primeira vez que existiu uma intervenção de Moscovo. Acrescenta-lhe em adenda um resumo dos memorandos polémicos. Obama já tinha recebido um pacote igual. Porque decidiu Clapper incluir a adenda na documentação que entregou a Trump e a Obama? Essa era a pergunta que muitos analistas faziam esta quarta-feira.