Regresso da inflação reacende debate interno no BCE

Com a inflação na zona euro outra vez acima de 1% e na Alemanha já nos 1,7%, os críticos da política expansionista do BCE ganham força. Mas Draghi deve para já resistir.

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Conselho de governadores reune-se dia 19 REUTERS/Kai Pfaffenbach

Se, para Mario Draghi, garantir um consenso dentro do conselho de governadores tem sido sempre algo muito difícil, agora, com a subida repentina da inflação na zona euro para valores acima de 1%, essa tarefa do presidente do BCE arrisca-se a tornar-se praticamente impossível.

O motivo para o desentendimento entre os membros da autoridade monetária europeia tem sido quase sempre o mesmo. De um lado, uma facção maioritária liderada pelo presidente tem tentado implementar uma política expansionista que combata o risco de a zona euro cair na armadilha da deflação. Do outro lado, uma facção minoritária, liderada pelo presidente do banco central alemão, defende que o BCE está a ir longe de mais no seu apoio à economia, colocando em causa a sua própria credibilidade e aumentando o risco de um regresso incontrolado da inflação.

No próximo dia 19, quando o conselho de governadores do BCE se voltar a reunir em Frankfurt essa discussão vai estar ao rubro, já que aos opositores do rumo seguido por Draghi foram oferecidos esta semana novos argumentos.

Esta quarta-feira, o gabinete de estatísticas europeu anunciou que, em Dezembro, a taxa de inflação homóloga subiu na zona euro de 0,6% para 1,1% em Dezembro. É uma das subidas mais fortes de que há registo e coloca a variação de preços ao nível mais alto dos últimos 39 meses.

Para os que acham que a política do BCE está já a ir longe demais, este regresso tão súbito da inflação a valores acima de 1% está a ser visto como o derradeiro sinal de alerta antes que se torne tarde demais para evitar uma aceleração descontrolada dos preços. Esses medos são particularmente fortes na Alemanha (com uma história de hiperinflação antes da tomada de posse de Hitler nos anos 30) e são ainda mais reforçados pelo facto de aí, a subida da taxa de inflação em Dezembro ter sido ainda mais brusca, de 0,7% para 1,7%.

Há apenas duas semanas, o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, defendeu numa entrevista ao jornal Bild que o BCE deve agir “em antecipação”, explicando que “isso significa apertar o cinto assim que a inflação começa a caminhar de forma sustentada para o objectivo”.

Ainda mais agressivo, em reacção aos dados da inflação divulgados na Alemanha, o presidente do think tank Ifo, Clemens Fuest, não teve dúvidas em afirmar ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung que “este salto na inflação é um sinal de saída da política monetária expansionista do BCE” e que “o programa de compras de dívida deveria terminar em Março de 2017”.

Perante esta agressividade redobrada proveniente da Alemanha, Mario Draghi e os seus apoiantes já têm contudo os seus argumentos alinhavados. O seu discurso irá centrar-se ainda mais no conceito de “inflação subjacente”. Este é o indicador que retira da análise a variação dos preços dos bens mais voláteis, nomeadamente os produtos energéticos, alimentares, bebidas alcoólicas e tabaco.

E, de facto, se se olhar para a evolução da inflação subjacente, é notório que a subida agora registada no indicador global de inflação se deve sobretudo àquilo que está a acontecer nos produtos energéticos. A inflação subjacente também subiu em Dezembro, mas apenas de 0,8% para 0,9%, mantendo-se no mesmo patamar em que se encontra nos últimos dois anos.

Entre os analistas, espera-se que, até Março, a inflação na zona euro continue a subir, empurrada pelos preços da energia e aproximando-se um pouco mais da meta de 2% definida pelo BCE. No entanto, a partir desse momento, as projecções apontam para que se registe um recuo, à medida que o efeito da subida do preço do petróleo se abate.

É isto que Draghi deverá continuar a apresentar como argumento para explicar, principalmente à Alemanha, porque é que continua a manter as taxas a zero e prolonga o programa de compras de dívida do BCE por mais alguns meses.

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